Por: Alexandre Mendes
Houve um acontecimento que marcou a minha vida, no momento em que a obra
de Vista Alegre acabou e, simultaneamente, discuti com as donas do trailer,
abandonando o serviço. Fiquei perdido e atordoado com a situação
financeira em que me encontrava. A geladeira vazia e as contas atrasadas.
Quando o dono da casa começou a me cobrar os três meses de aluguel
atrasado, todo dia, acabei pirando com a situação. Saia de casa, cedo, e não
encontrava trabalho. Estava desacostumado com as ruas. Tentei voltar, mas
acabei falindo. Fiquei completamente sem dinheiro.
Lembrei-me do revólver calibre 32, que comprara anteriormente, pensando
na segurança da minha família enquanto trabalhava no trailer. Até então, a peça
não havia tido utilidade alguma para mim. Além do mais, eu nunca cheguei a
atirar com a arma e, no final, quando eu a vendi, já estava bem enferrujada por
falta de lubrificação.
Sentia muito ódio no meu coração. Precisava trabalhar, mas
não achava emprego. Apareciam de repente, trabalhos de venda sem remuneração
fixa. Andar o dia inteiro tentando vender dez planos de saúde, com um nome que
ninguém nunca ouviu falar antes. Não, nem tentava trabalhar nessas merdas.
Coloquei a arma na cintura, olhei ao meu redor. Precisava manter a casa
intacta, a qualquer custo. Despedi-me de minha família (Davi não havia nascido
ainda) e caminhei na direção do ponto de ônibus, por volta de umas onze e meia
da noite.
Minha esposa chorava e implorava para que eu não fizesse aquilo. No
entanto, a sua choradeira foi em vão. Eu estava decidido a trazer o
dinheiro suficiente para acertar as dívidas e encher a geladeira.
O suor e o nervosismo tomaram conta de mim. Dois faróis enormes surgiram
no horizonte. Fiz sinal. O ônibus parou.
Subi as escadas do coletivo e olhei para a cara do cobrador. Ele estava
conversando com um cara sinistro. Não tive coragem de sacar a arma. E se o
camarada estivesse armado? E se eu fosse obrigado a disparar a minha arma? E se
eu caísse morto? Sairia na primeira página do jornal: “Morreu o bandido que
nunca roubou.“
- Posso dar um vôo, por debaixo da roleta?- O cobrador consentiu. Puxa,
que momento estressante!
Desci, logo em seguida, uns oito pontos depois. Percebi que seria muito
mais difícil do que havia imaginado.
Tentei o ato por três noites seguidas e nada. Entrava e saia dos raros
ônibus que rodavam durante a madrugada, os chamados “serenos”, tentando criar
coragem de tomar algo valioso de alguém.
Foi aí que percebi que não havia nascido para a vida fácil. Precisava
voltar a trabalhar, o mais rápido possível.
Fiz, então, as pazes com as donas do trailer e voltei a trabalhar
no turno da noite.
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