O COLETIVO ZINE É UMA AÇÃO CONJUNTA. A PROPOSTA É REUNIR DIVERSOS FANZINEIROS OU CRIADORES INDEPENDENTES E PRODUZIR UM TRABALHO COLETIVO. CADA PARTICIPANTE CONTRIBUI DA FORMA COMO PUDER, SEJA NA CRIAÇÃO, MONTAGEM, EDIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, DIVULGAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO. O IMPORTANTE É SOMAR ESFORÇOS. E ASSIM MULTIPLICAR A DIVULGAÇÃO DO TRABALHO DE CADA AUTOR E DIVIDIR O TRABALHO. SE DER CERTO,CONSEGUIREMOS CHEGAR A NOVOS LEITORES QUE JAMAIS CONHECERIAM NOSSO MATERIAL SE O PROMOVÊSSEMOS ISOLADAMENTE. E NA PIOR DAS HIPÓTESES, AO MENOS TEREMOS UMA DESCULPA PARA INSANAS FESTAS DE CONFRATERNIZAÇÃO E LANÇAMENTO DE ZINES. ENTÃO, MÃOS À OBRA. MISTURE-SE.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

++++++++++++++++++++++++++++++

O rio da vida não pode ficar represado

E em todas notas
de nenhum dólar não meu vejo,
não vejo você;
por isso, no elfo que mora no jasmim,
deito minha cabeça
de cacheados cabelos
Estou, não sou do mundo secular,
aprendendo a morrer,
a me desapegar
Se o sonho não se materializa,
deve ser abandonado ( ? ),
me diz a vitória régia;
o rio da vida
não pode ficar represado

( Edu Planchêz in Lágrimas Novas)

----------------------------------

Título: Letes do Esquecimento
Técnica: tinta a óleo sobre papel
Artista: Diego El Khouri

sábado, 11 de abril de 2015

EDU PLANCHÊZ E SUA POESIA PRIMITIVA ELÉTRICA SELVAGEM



Mais  um maluco  que veio pra somar. Edu Planchêz, poeta, músico  e vocalista da banda de rock chamada Blake Rimbaud. Abaixo alguns poemas de  sua   autoria:


AO ESPÍRITO VELOZ DE NEAL CASSADY


tragado pela atmosfera azul-relâmpago, 
provável que essas palavras só sejam compreendidas
pelos grilos brancos e pelos que buscam 
desenhos, rostos nas nuvens, 
nos cabelos do corpo,  
nas lágrimas das árvores

sou esse poeta, esse raíto de sândalo
entranhado na medula,
em nas artérias centrais,
nas estruturas caleidoscópias da alma
dos enormes mitos
que fincas nas páginas do ventre 

retorno ao blue, 
as vozes enebriantes das Divas,
ao piano, ao sax,
ao espírito veloz de Neal Cassady
***
WALT WHITMAN GOSTAVA DE OUVIR

"Walt Whitman gostava de ouvir 
sua avó Van Velson,
contar a história do velho 
Salt Kossabone, seu tataravô,
que costumava sentar-se
em sua imensa cadeira de braços,
perto da janela,
em sua casa da colina,
quando já era velho demais
para navegar..."

E quantas navegações faço
com o velho Whitman,
pelos charcos da Nova Guiné
de meus sonhos tri alucinados?

Esses nossos aliados que andaram
pelo Arizona
e por Aparecida de Goiânia,
arriscando todas as fichas
numa iluminada...
"procissão de suicidas"
viajando nos porões
de uma garrafa cheia de versos
por demais amargos,
por demais encravados
nas pintas do cogumelo
da "bomba de estrelas"?

Walt Whitman gostava de ouvir
nossas irmãs Sarah El Khouri
e Ana Lúcia Planchêz
fumarem os pelos da vagina,
e os pelo do monstro
comedor de letras e cus
que mora nas lanternas
dos que não nasceram
para a mordaça

Diego El Khouri,
me identifico com você
e  com o Joka Faria
+ o Ivan Silva
por sermos poetas devotos
do sonambulismo das aranhas escrotas de tanto foderem
aranhas escrotas

Me mostraste os estraçalhados versos do Sabotage
numa noite de muita maconha,
de várias punhetas,
de necas de doses de mescalina,
sem nenhum botão
espinhoso de peiote
para mascarmos diante do fim
do mundo nada eletrificado
dos que nada pensam
porque nunca foderam com a poesia
pica das galáxias

E esses merdas obcecados
por mentira e poder...( que sifu)
na real, nos sirva (você)
um morrão de ouro
( assim se dizia na Bahia
do poetaço Valente Junior),
desses que você
(Diego El Khouri Plural)
guarda nas dobras do blusão
de couro de buceta

***

MULTIDÕES DE PÁSSAROS-ESTRELAS-CADENTES


Bem sei de onde vem todos esses ventos...
me pondo a prova de todas as voltagens,
de todos os sentidos, de todas as artes...

Perto e distante do pequeno grande homem, 

inteiro e partido, armado de versos,
de portais de versos, de escudos de versos

Sou mesmo aquele que inflama o ambiente
com os mais frios e os mais quentes,
com as flechas Tupis, com os tacapes Yorubás

Perto de mim nascem árvores, 
florestas completas, complexas formas,
geométricos pensares,
multidões de pássaros-estrelas-cadentes

Esse é o meu homem, 
a ponta afiada da folha que o protege, 
o sono dos peixe, o despertar do crustáceo
que esteve amorfo por kalpas no interior   
***

ESCRITO NUM 25  DE DEZEMBRO

O bat-gato do cor do caralho,
caminha solene entre caroços de melancia,
juro que não tem nenhum um cu nesse poema,
( nenhum), menti, tem o meu,
e o cu do mundo,
do mundo de Monteiro Lobato,
de Arquimedes,
do General Cronos,
o cu de Ícaro Odin

( meu pai, sempre diz,
“filho, pare com indecências!)

O bicho sapo assopra colinas repletas de ipes
nos olhos crocantes de Rosa Kapila,
segundo, sua irmã, Ana Vitória,
“a Hiena chefe do séquito, o rabo de couro
do bando dos ratos de Lampião e Mário Faustino”

E essa porra de poema
escrito num 25 de dezembro,
conhece muito bem as leis
da comunidade,
os chifres da fera
que cruza os céus,
os dentes do alho,
o sabor do coentro,
as louças bailarinas
da noite sempre noite

***

ON THE ROAD FUTURO


dia de feira na praça seca, 

domingo de sol e chuva, 

eu indo para o japão que fica em madureira

pendido nas rabiolas das pipas,

nos rabos dos sardinhas de escamas verdes,

nos varais de coloridos panos,

nas cabeças das frutas e dos legumes,

no coreto dos muitos carnavais


não digo era, digo é,

o que é vivo na mente nunca passa,

nunca deixa de flutuar por entre as gerações,

por entre os coqueiros da minha verdade


a poesia é o maior dos amores,

a mulher, a mãe, o pai e o filho,

diego el khouri assinaria esses versos


aquele que assume a civilização

tal qual o faz bob dylan

para o sempre aflora setembros,

janeiros e dezembros

nos olhos dos que miram borboletas estrelas


passo a ponta do lápis de cor vermelha 

nas linhas que vou rabiscando

com o corpo beat,

ond the road futuro


***
O PAU DURO  CONTEMPLANDO O  GRELO ENCARNADO

é um relâmpago devastador 

(A porta se abre com a fúria do sopro sinfônico) 


Os casais adoecem de tanto brigar, inglória atitude, 
impotência, morbidez injusta, cegueira, falta de tesão, pica inútil, 
xereca vazia, caralho que nunca vê o sol, 
buceta arreganhada para nada 

Minha poesia adora ver a porra incandescente transbordar
o canal da vagina, o útero, o ventre, a boca, o anus 
e escorrer sem parar pelas coxas gargantas 
até o sul da criança rubi 

Foder até a foda se tornar um livro de histórias 
Foder até o fim das guerras idiotas 

O pau duro contemplando o grelo encarnado 
é um relâmpago devastador 

Pablo Picaso dorme nu sobre a sombra das tintas 
de suas mulheres toreadas
A lança que não fura o boi atravessa as bolhas 
que se formam nas camadas tênues 
da geométrica vontade 

Rei e Rainhas brincando de brincar 
diante da porta do templo da gestação

A porta se abre com a fúria do sopro sinfônico
A porta se abre para espalhar o pigmento 
do fascínio ensurdecedor 

Corrida mortal

Por Fabio da Silva Barbosa

.
Ele corria para um lado e para o outro. Lembrava muito o coelho sempre atrasado. Dizia que corria para dar tempo de fazer mais coisas. Podia até conseguir tempo para fazer mais, só que não aproveitava. Era tudo feito em um turbilhão de angústias, pressa, em um sofrimento sem fim. Não saboreava os momentos, não pensava sobre o que fazia, sobre o que realmente importava. O que importava, ou achava que importava, era correr, num frenesi nocivo a própria consciência e ao viver. Não filtrava o que poluía o caminhar. Não havia caminhar, apenas correr. Correr para a morte sem sentido. Só deixou como herança o pouco que conseguiu acumular de material. Não se pode julgar, apenas analisar, registrar, tentar entender. Culpar a vítima é sempre mais fácil, por esta não ter como se defender. Foi resultado do que o encheram e o tinham enchido de merda. Não de adubo, mas de merda. Tentando vencer os ponteiros do relógio, viu o tempo se perder, escorrer entre os dedos das mãos que o queria segurar. Soluções? Respostas? Nunca fui o mais indicado para dar. Poderia apenas sugerir perguntas, as quais ele nunca teve tempo de escutar, pensar, saborear.    

Lembranças

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
lembro das luzes ao longe, iluminando o subir do morro
e daquela casa que ficava depois da última luz
onde a eletricidade ainda não tinha chegado
do esgoto a céu aberto que o menino sempre pulava
para jogar bola no campinho esburacado
 .
e do choro  de Dona Berenice
quando viu o filho tombar
ao ser atingido por uma bala de não sei qual calibre
e quando o sobrinho apanhou na delegacia
falaram que confundiram com traficante
 .
das casas empilhadas umas sobre as outras
barracos sobre barracos
moradias sobre moradias
morando pessoas espremidas, gente sofrida
mordida por misérias, fomes e apatias
 .
lembro também dos barulhos de tiros
ouvidos na hora da novela
dos apartamentos
que assistem de bem longe
se convencendo que não tem nada com a vida dos mortos

Feito para não funcionar

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Um erro muito comum das pessoas é ver o resultado como se fosse a causa e com isso focar esforços em sanar unicamente o resultado enquanto a fonte continua jorrando os mesmos resultados. E isso pode ser visto nos mais diversos campos. Parece que ao vermos um menino portando uma arma, assaltando… a solução é prender, ou quem sabe até matar, esse menino. Só que a fonte continua jorrando vários outros para ocupar o lugar daquele. Mas essa falha de ótica não é casual. Ela é cuidadosamente plantada pela mídia e demais ferramentas desse sistema manipulador que nos cerca.
Nesse texto gostaria de discorrer como isso acontece na educação, ou no que chamamos de educação. Uma coisa que sempre me incomodou foi o discurso que prega a falta de interesse dos alunos pela sala de aula sem questionar o porquê desses alunos estarem desinteressados. Obviamente sem saber o porque, não chegaremos a fonte e ficaremos presos na superfície sem conseguir uma visão adequada para se chegar a diferentes resultados.
Minha leitura sobre o assunto é que a sala de aula se tornou algo altamente desinteressante, monótono e autoritário. Um ambiente que não estimula a autonomia, a criatividade e que não está aberto ao novo. E isso pode ser observado do ensino fundamental até o nível superior, onde encontramos professores que se julgam praticamente semideuses (alguns se acham o próprio deus). E isso se estende a educação familiar. As instituições que deveriam prezar (pelo menos teoricamente) pelo desenvolvimento do indivíduo, acabam se transformando em organismos limitadores pela incapacidade de se renovar, de reconhecer que a teoria está sempre mais atrasada que a prática. Isso se dá porque a prática está em constante movimento, se modificando a cada minuto, enquanto a teoria tem de passar por todo um canal burocrático de aceitação que acaba por criar um universo paralelo constantemente atropelado pela ordem natural da criação e da diversidade humana.
Certa vez estava em uma festinha na casa de um amigo e lá estavam alguns acadêmicos, muito orgulhosos de seus títulos e como sempre fechados em suas pequenas rodas, falando para eles mesmos. Daí tive a infelicidade de me convidarem para o assunto. Sei que em certo momento expus meu ponto de vista sobre a apropriação que a academia faz de criações populares e depois fica julgando se os criadores estão certos ou errados, como se tivessem de pedir a benção da academia para fazer o que sempre fizeram com naturalidade, espontaneidade. 
- Mas então você está dizendo que um acadêmico não pode fazer um trabalho sobre Rap, por exemplo?
- Ele pode fazer um trabalho sobre Rap, mas não pode achar que aquele trabalho é a verdade, que todo mundo que for fazer RAP tem de fazer daquele jeito. Afinal, ele retratou o RAP naquele momento, mas, como tudo na vida, o RAP está em movimento e semana que vem, ou amanhã, ele já pode ser diferente. Um cara pode chegar a qualquer momento e mudar todo o conceito da coisa, agregar novas informações, evoluir o estilo… E daqui que se faça uma nova pesquisa a respeito, que essa pesquisa seja enquadrada nos moldes impostos pela academia, que seja aceita… A coisa já continuou caminhando e mudou de novo, de novo e de novo… O caminhar das coisas no mundo real não está submisso a academia.
Nem preciso dizer que me acharam um ignorante falando baboseiras e voltaram a conversar entre eles, fechados em seu mundinho.
Lembro também da faculdade de jornalismo, quando alguns professores distribuíam cópias de textos e ficavam lendo enquanto acompanhávamos com os olhos entediados. E eram textos longos, cheios daquela linguagem pedante e pomposa, sobre a Escola Europeia e Norte-americana de Jornalismo. Uns textos cheios de conceitos ultrapassados, que nem nos EUA ou na Europa são utilizados hoje. Imagina se usei uma linha se quer quando comecei a desenvolver meu trabalho jornalístico dentro das favelas de Niterói, São Gonçalo, Rio de Janeiro e adjacências? Isso nem cabia na minha realidade enquanto jornalista independente querendo mergulhar de cabeça na realidade que sempre me cercou. Terminada a graduação, pensei em seguir numa pós. Pesquisei sobre alguns trabalhos e orientadores da área e adivinha. Não me senti motivado. Não iria me submeter a uma retórica que rima com perda de tempo, desperdício de vida. Não preciso de um papel dizendo que sou isso ou aquilo. Não tenho esse tipo de fragilidade. Tenho meus próprios meios de comunicação, onde nem ao menos me prendo a regras gramaticais ou a qualquer outro tipo de engorduramento imposto. Tenho meus leitores e mesmo quando não tinha escrevia para mim mesmo. Não quero fazer parte do que me parece extremamente desinteressante e desnecessário, do que me parece incorreto e desperdício de vida. Nunca fui um bom aluno. A escola sempre foi um ambiente no qual me sentia pouco a vontade, uma verdadeira tortura. Ao invés de libertação, aquilo tava muito mais para prisão. Dizem que rimar quando estamos escrevendo em prosa não cai bem e cabei de fazer isso. E daí? Foda-se. É disso que estou falando. E usei tava também ao invés de estava. E daí? Em que isso atrapalhou a comunicação? Aí eles vem me falar de empobrecimento da língua enquanto isso é exatamente ao contrário. Língua pobre é língua parada, estagnada. Língua rica é a que está em movimento, em mutação, crescendo com o movimento da vida.
Agora imagina um garoto de favela chegando na escola, com seu próprio modo de falar e de ver o mundo. Aí chega o professor com um discurso pronto, completamente ajustado aos valores burgueses, violentando tudo que ele tem como sagrado com suas certezas. Não há troca de informação ou estrutura horizontal, mas uma ideologia completamente verticalizada, onde um sabe e o outro é o ignorante que tem de se calar e apenas ouvir, aceitar. A troca de saberes dá lugar a um saber único e indiscutível. Só se aceitam discussões que falem a mesma língua, que compactuem com as mesmas “verdades”. Por isso, qualquer um que tem um mínimo de personalidade dá uma boa olhada para esse banquete de nada que lhe é oferecido e diz: Tô fora.  

Enfim reencontrando gente

Por Fabio da Silva Barbosa e Lisiane Da Silva Caparroz

Agradecimentos ao grande Caio DiSouza e a Comunidade da Cruzeiro
 .
Muito bem
esse lugar tem gente humana
gente sofrida
gente viva
gente feliz
sim
GENTE
no sentido da palavra
gente sem dente
gente com dente
gente sambando
gente que acredita
gente que se importa
gente que não tá nem aí
gente caindo
gente levantando
GENTE.
todo tipo de gente
mas todos do tipo que sofre
e que é feliz
não essa felicidade superficial e eterna que não existe
gente oprimida
roubada
surrupiada nos seus direitos mais básicos
enganada
explorada
gente que não desiste da caminhada
mesmo com os caminhos trancados
com o futuro furtado
dias negados
existência assombrada
e assombrando os que fingem

Dia de visita

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Mais um dia de visita na clínica. Me arrumo toda e fico esperando. Já faz tempo que ela não vem. Ao invés de dia de visita, tinha de se chamar dia de espera. Começa a chegar gente para ver Fulana e Beltrana, mas a minha não chega. Será que vai vir dessa vez? Fico esperando. O negócio é esperar. Pior que aqui não dá nem para fumar cigarro. Se ainda pudesse matar o tempo enquanto me mato… Tique-taque, os ponteiros vão passando. Levanto e olho para a porta. Ninguém. O negócio é continuar esperando. Agora vem alguém. É visita atrasada, mas não é para mim. Puta merda. E nem um cigarrinho. Percebo que começo a andar de um lado para outro. O enfermeiro olha. Já percebeu minha agitação. Melhor sentar. Tique-taque. Nada de chegar. Tique-taque. Puta que o pariu. Já passou mais da metade do tempo de visita e até agora nada. Os ponteiros demoram a andar e ao mesmo tempo não param de correr. Vai entender. Disseram que iam me tratar, mas a única coisa que fazem é administrar o maior número de remédios que podem sem correr o risco de me matar. É a prisão química, o paraíso da indústria farmacêutica. Não é a primeira vez que paro nesse buraco e quando sair estarei do mesmo jeito, só que impregnada de remédios, mais drogada do que nunca. Tique-taque e não chega ninguém. Devem estar muito ocupados trabalhando, fazendo compras ou sabe lá mais… Passou um mosquito voando. Pelo menos acho que era um mosquito. Pode ser mais uma daquelas bolinhas luminosas que aparecem na frente da vista. Não! Era um mosquito! O tique-taque não para de tiquetaquear. Parede branca, parede branca, porta, parede branca, grade, chão, teto, mesa, balcão, chão, teto. Sujeirinha esquecida no canto. Chão, teto, parede, porta, grade, porta, grade. Ó o enfermeiro passando. Até que não é dos piores, mas o trabalho dele que é o problema. Tique-taque. Olho de um lado para outro. Sacudo a perna cada vez mais forte. Nem percebi que estava sacudindo a perna até então. Tique-taque! Pronto, deu a hora. Tenho de me recolher e esperar até o próximo dia de vista quando novamente não virão.  

Mais um olhar – ver, pensar, agir

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
faces marcadas
pela miséria
e o terror
cicatrizes infames
pelo corpo
e pelo ser
 .
vidas perdidas
no mundo perdido
devastado por desesperos
e o consumo
sociedade assassina
destino intestino
 .
mas vamos rebelar
contra a minoria satisfeita
vamos resistir
vamos existir
contra a destruição total
contra a moral imoral
 .
a maioria unida
vendo além das diferenças
e que a diferença nos faz iguais
e o que temos de parecido
não será esquecido
o que temos sofrido
 .
o que chamam de derrota
é nossa vitória
o que chamam de fraqueza
é nossa força
chega de mentiraaaaaaaaaaaaa
chega de escravidão

presente

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
seres mutilados
futuros passados
vidas roubadas
sabedoria retardada
evolução depravada
liberdade cercada
humanidade atrofiada
matança declarada
maldade ilimitada
hipocrisias endeusadas
mortos esquecidos
vivos excluídos

Marcada

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
E as pessoas corriam gritando.
- Pega! Bate! Mata! Ladra! Vagabunda!
E ela corria como nunca. Mas eram muitas pernas a lhe perseguir. Muitas vozes. Cada vez se multiplicavam mais. Seus pés falharam no momento em que a pedra atingiu sua cabeça. O chão se fez próximo. Os perseguidores a cercaram. As vozes aumentaram.
- Segura! Bate! Agora vai ver! Mata! Agora vai aprender! Vagabunda!
Os golpes vinham de toda parte. Tentou lembrar-se da mãe que morrera na prisão, do pai que nunca conhecera. Eram lembranças que nunca existiram. Não tinha de onde tirar. Tentou se levantar, se arrastar. Tentou pensar em um lugar onde já se sentira segura. O cérebro falhava. Todo esforço era inútil. Lembrou os tempos de rua, das meninas da gangue. Lembrou os tempos de abrigada, dos monitores e educadores carrancudos. Lembrou dos poucos que tentaram entender e ela mandou tomar no cu. Era impossível aceitar que quisessem oferecer ajuda. Isso beirava o inacreditável naqueles tempos sombrios. Tempos que sempre foram assim e são até o momento.
- Não deixa fugir! Bate! Segura! Vai aprender! Vai ver!
O cérebro falhando cada vez mais. A vista escurecendo. O sangue cobrindo o corpo. O sangue cobrindo a terra. A fúria descendo sobre o cadáver que já não respondia aos golpes. O cadáver que já nascera morto. A morta que já nascera morta.  

Marionetes do consumo

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
comprou comprou comprou
fez prestação
parcelas pra pagar
no carnê e no cartão
 .
compre compre compre
não precisa nem pensar
quando chega o fim do mês
fome vai passar
 .
gaste gaste gaste
o negócio é possuir
não ser você mesmo
nem precisa existir