O COLETIVO ZINE É UMA AÇÃO CONJUNTA. A PROPOSTA É REUNIR DIVERSOS FANZINEIROS OU CRIADORES INDEPENDENTES E PRODUZIR UM TRABALHO COLETIVO. CADA PARTICIPANTE CONTRIBUI DA FORMA COMO PUDER, SEJA NA CRIAÇÃO, MONTAGEM, EDIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, DIVULGAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO. O IMPORTANTE É SOMAR ESFORÇOS. E ASSIM MULTIPLICAR A DIVULGAÇÃO DO TRABALHO DE CADA AUTOR E DIVIDIR O TRABALHO. SE DER CERTO,CONSEGUIREMOS CHEGAR A NOVOS LEITORES QUE JAMAIS CONHECERIAM NOSSO MATERIAL SE O PROMOVÊSSEMOS ISOLADAMENTE. E NA PIOR DAS HIPÓTESES, AO MENOS TEREMOS UMA DESCULPA PARA INSANAS FESTAS DE CONFRATERNIZAÇÃO E LANÇAMENTO DE ZINES. ENTÃO, MÃOS À OBRA. MISTURE-SE.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

ZECA PAGODINHO DEVERIA SE ENVERGONHAR EM RECEBER ALGO, DIANTE DE TANTOS QUE SOFREM

Por: Edu Planchêz 


estou triste, não tenho como escapar, o nosso pai partiu,
e é fim de ano, momento que ele amava comemorar,
sempre preparava uma enorme cesta de frutas
adornadas com garrafas de cidra,
e oferecia essa beleza aos Deuses das dez direções do universo
volto aqui para a minha noite, rio de janeiro, último dia do ano,
e agora antônio eduardo?
jacarepaguá, estrada dos bandeirantes,
calor extremo, um sol para cada habitante,
o mesmo verão maçarico de sempre
copacabana entupida de gente,
hospitais fechados,
fogos explodindo, morte nas comunidades,
guerra, falta de remédios e médicos,
dinheiro queimado, vidas ceifadas pelo mal emprego desse dinheiro
zeca pagodinho deveria se envergonhar em receber algo,
diante de tantos que sofrem, o que vai para o bolso dele,
faltará na enfermaria fechada
estou triste, não tenho como escapar, o nosso pai partiu,
e é fim de ano, momento que ele amava comemorar,
sempre preparava uma enorme cesta de frutas
adornadas com garrafas de cidra,
e oferecia essa beleza aos Deuses das dez direções do universo

domingo, 27 de dezembro de 2015

TEU CLITÓRIS




Por: Edu Planchêz

pensando em fazer sorvete,
em construir um túnel entre minhas coxas e as tuas,
e os aviões do tudo e o nada,
e os navios trabalhados em cera marrom,
cera das fodas futuras,
cera do assoalho maior de todas às vezes que me procuras
por dentro da escrita automática,
por dentro das brenhas das matas da oitava estrela

puta que pariu, puta vontade de nunca ter vontade,
mas é só um querer, um caralho gigante que flutua,
que fura gostoso, porra,
meu poema te mela,
te meleca toda,
e me meleca também,
por que é muito bom ser melecado

foda, fios de saliva emolduram meu rosto,
teu rosto, a pele mais que irritada de meu pau
e de tua buceta pintura descomunal

sorvete vermelho,
teu critoris linhas do mundo,
pássaro meu amigo,
converso com ele,
ele responde pulsando
em seu amado idioma...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

lâmina

Por Fabio da Silva Barbosa

.
seu rosto derretia
num constante agonizar
o sofrimento trancado
na caixa do seu corpo
sei bem o gosto cortante
dessas lágrimas ácidas 
caídas 
como anjos
que viraram demônios
estar completamente só
sem ninguém pra dar a mão
sem carinho ou proteção
contra esse mundo tosco
quando não há lugar
para onde ir
não há nada
para sentir
as escolhas parecem mortas
folhas secas
caindo
povoando o solo
e indo pra baixo
provavelmente você também não vai entender
não sabem o que é perder
no labirinto da dor
sentindo a lâmina cortando
só para aliviar
essa existência
essa penitência
a raiva e a mágoa
o flagelo infinito
da desumanização contínua
desses corpos e mentes que se vão

Dia de visita

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Mais um dia de visita na clínica. Me arrumo toda e fico esperando. Já faz tempo que ela não vem. Ao invés de dia de visita, tinha de se chamar dia de espera. Começa a chegar gente para ver Fulana e Beltrana, mas a minha não chega. Será que vai vir dessa vez? Fico esperando. O negócio é esperar. Pior que aqui não dá nem para fumar cigarro. Se ainda pudesse matar o tempo enquanto me mato… Tique-taque, os ponteiros vão passando. Levanto e olho para a porta. Ninguém. O negócio é continuar esperando. Agora vem alguém. É visita atrasada, mas não é para mim. Puta merda. E nem um cigarrinho. Percebo que começo a andar de um lado para outro. O enfermeiro olha. Já percebeu minha agitação. Melhor sentar. Tique-taque. Nada de chegar. Tique-taque. Puta que o pariu. Já passou mais da metade do tempo de visita e até agora nada. Os ponteiros demoram a andar e ao mesmo tempo não param de correr. Vai entender. Disseram que iam me tratar, mas a única coisa que fazem é administrar o maior número de remédios que podem sem correr o risco de me matar. É a prisão química, o paraíso da indústria farmacêutica. Não é a primeira vez que paro nesse buraco e quando sair estarei do mesmo jeito, só que impregnada de remédios, mais drogada do que nunca. Tique-taque e não chega ninguém. Devem estar muito ocupados trabalhando, fazendo compras ou sabe lá mais… Passou um mosquito voando. Pelo menos acho que era um mosquito. Pode ser mais uma daquelas bolinhas luminosas que aparecem na frente da vista. Não! Era um mosquito! O tique-taque não para de tiquetaquear. Parede branca, parede branca, porta, parede branca, grade, chão, teto, mesa, balcão, chão, teto. Sujeirinha esquecida no canto. Chão, teto, parede, porta, grade, porta, grade. Ó o enfermeiro passando. Até que não é dos piores, mas o trabalho dele que é o problema. Tique-taque. Olho de um lado para outro. Sacudo a perna cada vez mais forte. Nem percebi que estava sacudindo a perna até então. Tique-taque! Pronto, deu a hora. Tenho de me recolher e esperar até o próximo dia de vista quando novamente não virão.  

Findo/Desapercebido

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Cansaço físico e mental
Fadiga
Desânimo
Não consegue mais pensar
Não consegue caminhar
Arrastando pelo deserto do nada
Arrastado pelo nada
Nada a declarar
Arrasado pelo nada
Nada a declarar

Marcada

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
E as pessoas corriam gritando.
- Pega! Bate! Mata! Ladra! Vagabunda!
E ela corria como nunca. Mas eram muitas pernas a lhe perseguir. Muitas vozes. Cada vez se multiplicavam mais. Seus pés falharam no momento em que a pedra atingiu sua cabeça. O chão se fez próximo. Os perseguidores a cercaram. As vozes aumentaram.
- Segura! Bate! Agora vai ver! Mata! Agora vai aprender! Vagabunda!
Os golpes vinham de toda parte. Tentou lembrar-se da mãe que morrera na prisão, do pai que nunca conhecera. Eram lembranças que nunca existiram. Não tinha de onde tirar. Tentou se levantar, se arrastar. Tentou pensar em um lugar onde já se sentira segura. O cérebro falhava. Todo esforço era inútil. Lembrou os tempos de rua, das meninas da gangue. Lembrou os tempos de abrigada, dos monitores e educadores carrancudos. Lembrou dos poucos que tentaram entender e ela mandou tomar no cu. Era impossível aceitar que quisessem oferecer ajuda. Isso beirava o inacreditável naqueles tempos sombrios. Tempos que sempre foram assim e são até o momento.
- Não deixa fugir! Bate! Segura! Vai aprender! Vai ver!
O cérebro falhando cada vez mais. A vista escurecendo. O sangue cobrindo o corpo. O sangue cobrindo a terra. A fúria descendo sobre o cadáver que já não respondia aos golpes. O cadáver que já nascera morto. A morta que já nascera morta.  

Marionetes do consumo

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
comprou comprou comprou
fez prestação
parcelas pra pagar
no carnê e no cartão
 .
compre compre compre
não precisa nem pensar
quando chega o fim do mês
fome vai passar
 .
gaste gaste gaste
o negócio é possuir
não ser você mesmo
nem precisa existir

O Jornalista

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Todo dia era a mesma coisa. A reunião de pauta decidia sobre o que ia escrever e a linha editorial determinava como ia escrever. O mundo desabando e mandaram cobrir aquele lançamento de cosméticos. Como se sentia idiota. Mas os parentes gostavam. Comparavam o jornal só para mostrar a assinatura dele na matéria da capa. Acreditavam mesmo que ele escrevia. Escrevia, mas escrevia o que os outros queriam. Pior que o lançamento de cosméticos foi a entrevista com o novo Secretário de Direitos Humanos da cidade. Um policial corrupto e assassino que se juntou com fanáticos religiosos e setores da extrema direita para conseguir o cargo.
- Eu sempre quis fazer uma campanha do agasalho em grande escala – Dizia ele. –Queria ver toda essa gente, tão sofrida que vive nas ruas, sem sentir frio.
O que reservariam hoje para o seu dia. Cobertura sobre a venda de ovo de chocolate na Páscoa,entrevista com o Secretário de Educação (dono de uma rede de escolas privadas)… Chegou à redação e logo descobriu a pauta a ser coberta.
- É uma rua na Região Oceânica. Tem um amigo que mora lá e disse que uma pedra maldita atrapalha todo o fluxo de carros. Ele já pediu para tirarem aquilo de lá, mas ninguém toma providência.
Pegou os dados impressos no papel que lhe era mostrado, entrou no carro da redação e foi para o local indicado. O fotógrafo e o motorista conversavam animados. O calor era infernal. Chegando a tal rua, viu logo a enorme pedra natural do lugar. A rua foi aberta e casas bonitas (de quem tem dinheiro) foram construídas por ali. No ponto onde estava a grande pedra, a rua ficava um pouco mais estreita. Desceram todos do carro. Ao caminhar mais para o final da rua, viu que as casas iam ficando mais humildes. Devia ser a população nativa, que começou a povoar o local antes mesmo de ter rua.
Viu uma senhora se aproximar caminhando. Perguntou sobre a pedra. A senhora disse que ela sempre esteve ali e até deu o nome da rua (Rua da Pedra). Conforme conversava com os passantes, ia anotando no bloquinho.
- Acho até bom essa pedra. Depois que esse pessoal que tem carro veio para cá, as crianças nem podem mais brincar na rua. Assim eles diminuem a velocidade.
- Essa pedra é muito bonita. É uma beleza natural que deve ser preservada.
- Ela é tradicional do lugar.
- Para mim não incomoda em nada.
- Essa pedra tem história. Quem mora aqui mais tempo sabe.
Chegou à redação e fez a matéria. “Pedra é patrimônio de rua na Região Oceânica”. Foi satisfeito para casa. Dessa vez tinha valido a pena. O telefone tocou.
- Que merda de matéria é essa que você fez? Nunca mais entregue algo e vá embora antes de revisarmos. Tivemos de reescrever tudo em cima da hora.
No dia seguinte foi até a banca e leu na capa: “Pedra causa transtorno em rua da Região Oceânica”. Voltou para casa. Algumas horas depois ligaram da redação querendo saber se não iria trabalhar.
- Procurem outro. Nunca mais piso nesse lugar. Deve ter uma fila de gente querendo ver o nome assinando as matérias desse grande jornal. Tô fora.   

Para quando ela partir II

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Encantadora,
agora só me restam as lembranças e a saudade
seu jeito rebelde e insano
inocente amiga da vida louca
depravadamente inocente
ou inocentemente depravada
?
sempre tudo por acaso
e o acaso contribuindo
para o fluir insano dessa vida
vida ferida
vida bandida
total
marginal
forças da natureza se chocando ao acaso
tentando sobreviver
sem se curvar
é preciso liberdade
é preciso ar
fazendo o que deve ser feito
pedaços desencontrados
lançados ao azar
criatura alada
que impedem de voar
olho para os céus
tentando te encontrar
querem te abater
querem te parar
querem adestrar
as palmas não vão contentar
é preciso mais
é preciso muito mais
sempre
e o que há de mais não cabe nos bolsos
não se pode carregar
criatura sagrada
abençoa ao amaldiçoar
criatura bizarra
tenha força
tente suportar  

Para quando ela partir

Por Fabio da Silva Barbosa

.
era uma criançabebêidosajovem
meninamenino
negraíndiabrancaorientalcafusamamelucacaboclaocidentalemais
beleza sem igual
quando perguntavam sua raça
respondia entre o deboche e a seriedade
vira-latas
meiga como poucas e raras
mesmo quando a revolta explodia de seu peito
a raiva pela boca
ainda assim um ódio encantador
autêntico
a beleza nunca a abandonava
seu choro enchia o ambiente de tristeza
um som aterrador
seu sorriso magnífico
enchia tudo de luz
sua presença
o inferno para uns
e a alegria para outros
passou na minha vida
e sumiu no horizonte
foi rumo a incerteza
com aqueles olhos
que expressavam todos os sentimentos
que sentia no momento
com aquela face
que expelia o que sentia
espero um dia te reencontrar
nesse turbilhão louco
chamado vida

caindo

Por Fabio da Silva Barbosa

.
muitos anos de uso
drogas lícitas e ilícitas
o cérebro morrendo
o corpo morrendo
insiste em continuar a viver enquanto puder
mesmo querendo que tudo acabe logo
brumas tapando a visão
bombardeio químico
não consegue mais pensar
tá difícil andar
respirar
depressão profunda
dominado por angústias
desintegrando pouco a pouco
invisível
o buraco vai crescendo
a escuridão vencendo
agora já não faz mais diferença
viver ou morrer
matar ou morrer
grunhir e gemer

Para a galera que curte uma escrita torta, pode encontrar meus trampos aqui ó:


FSB
- Quem perdeu algum número do zine Reboco Caído e não sabe onde encontrar, temos a versão digital de quase todos aquihttp://www.rebococaidozine.blogspot.com.br/ . A impressa ainda tem os últimos números e tá para sair um novo a qualquer momento. Pode ser pedido pelo e-mail e-mail fsb1975@yahoo.com.br ou pela caixa postal 21819, Porto Alegre/RS – cep.: 90050-970
- Reboco Caído – Reflexos e Reflexões
Livro impresso lançado em 2014 pela Coisa Edições, de Porto Alegre. A editora ainda tem no estoque e é só pedir pelo facebookwww.facebook.com/CoisaEdicoes ou pelo e-mail coisaedicoes@gmail.com
- Escritos Malditos de uma Realidade Insana
E-book lançado pela Editora Lamparina Luminosa, de São Paulo, em 2013. Download gratuito no site da editora www.lamparinaluminosa.com.
- UM ANO DE BERRO – 365 dias de fúria
Lançado em 2010 pela Editora Independente, de Brasília. Registro do primeiro ano de existência do zine O Berro. Nesse livro o autor divide as páginas com os amigos Winter Bastos e Alexandre Mendes, que construíram essa iniciativa junto com Fabio da Silva Barbosa, além de diversos colaboradores. A versão impressa está esgotada, mas existe a versão digital do rascunho nopt.slideshare.net/ARITANA.
- PDFs organizados pelo autor e lançados de maneira livre pela internet a fora
. Quem somos nós? - Conversa fiada e papo de botequimhttp://pt.slideshare.net/ARITANA/quem-somos-ns-12314856
. Quem somos nós? - Volume II http://pt.slideshare.net/ARITANA/quem-somos-ns-volume-2
. A saga do jornalismo livre http://pt.slideshare.net/…/a-saga-do-jornalismo-livre-2-ver…
. Parceria http://pt.slideshare.net/ARITANA/parceria-15777705

O Carro da Linguiça

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Não ouvi quando chegaram, mas acordei com um forte barulho. Abri os olhos e continuei deitada. Gritos desesperados começaram a competir com vozes duras.
- Pelo amor de…
- Solta ele.
- Que isso?
- Ele é trabalhador.
- Para.
- Socorro…
- Não faz isso.
- Ele é trabalhador.
- Todo mundo pra trás! Ó o escândalo.  
- Quietinho! Quietinho!
- Não adianta! Perdeu!
Levantei rápido da cama e fui cuidadosamente até a janela que estava aberta. Fiquei de cantinho, escondida pela escuridão do barraco. Avistei o carro branco, sem janelas, parado. Aquele carro era a verdadeira assombração do morro. Não tinha lobisomem, vampiro, alma penada… Aquele carro era o terror. Quem entrava nele, nunca mais era visto.
- Fica quieto, rapaz! Fazer barulho é pior.
- Segura sua mulher aí, se não vai sobrar pra todo mundo. Tamo  tentando ser legal.
Ouvi choros desesperados. Passei por baixo da janela e me escondi no outro canto, buscando uma visão melhor do acontecimento. Tive de ficar mais afastada para fugir da luz que vinha da rua. Eram cinco homens armados. Um deles segurava o filho de Dona Zizinha pelo pescoço com um braço e com a outra mão apontava a arma para a cabeça dele. Os outros quatro apontavam as armas para a família parada na porta de casa. Dona Zizinha sempre morou ali, na frente da minha casa. Bem que achei que alguma das vozes parecia a dela, mas não queria acreditar.
- Mamãe, que barulho é esse?
Meu filho mais velho ameaçou levantar. Fiz sinal de silêncio e gritei baixinho, quase não deixando sair o som.
- Fica aí. Não se mexe.
Ele voltou a se embolar com os dois irmãos na cama de casal que dividíamos desde que o pai deles sumiu no mundo.
Me espremi contra a parede e voltei a olhar para fora. Um dos homens já não pontava a arma para Dona Zizinha, o marido e as 4 filhas. Circulava pela rua olhando para os lados. Olhava principalmente para minha janela. Será que me ouviu falando com o guri? Será que ia me ver? Me abaixei. Ouvi meu filho prendendo o choro. Outro já se mexia na cama, ameaçando acordar. Fiz novo sinal de silêncio. O barulho de choro aumentou na rua e pude ouvir Dona Zizinha gritando:
- Não, não, não… Não faz isso com ele…
Levantei só até a altura necessária e vi o homem que segurava o filho dela ainda empunhando a arma e arrastando o rapaz na direção do carro. Ele já não lutava mais. Abaixei de novo e engatinhei até a cama. Subi nela e me abracei com as crianças que, nesse ponto, já estavam todas acordadas. Ficamos bem quietinhos, ouvindo o desespero da família vizinha. Não havia nada que pudéssemos fazer. Ouvimos o carro indo embora. Ainda por algum tempo, choros e lamentos pela rua. Alvinho nunca mais foi visto.      

Sentimental

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
acordei de um sonho lindo
onde você
perfeita como sempre
mesmo em suas imperfeições
presenteava-me com sua presença
mas logo acordei
desesperado por sua ausência
que provavelmente se estenderá ao sempre
 .
vaguei pela casa
a procura de cigarro
vagando pelos cômodos
sem vontade suficiente
para acender a maldita luz
 .
é até difícil entender
é até difícil explicar
 queria o sonho para sempre
mas o problema é que tudo tem a hora certa
se passar vira pesadelo
.
não é questão de posse
nem de querer possuir
é apenas querer por mais tempo
algo puro e verdadeiro
 .
fiquei tão sentimental
que já me sinto idiota
mas não era para ser idiotice
sentir, expor, dividir
algo tão bonito e positivo
.
tentarei voltar a dormir
mas nunca te esquecerei

Não adianta nos evitar

Por Fabio da Silva Barbosa

.
Cão sinistro
quem é você?
Sou o nervo distendido
a ferida purulenta
o músculo infeccionado
a perna necrosada
 .
Cão sarnento
quem é você?
Sou o podre
o resto
o azedo
o que você não quer ver
 .
Cão moribundo
quem é você?
Sou o que você tentou jogar sob o tapete
o que vai durar mais que gostaria
o que foi lançado a margem
a própria indigência
 . 
Cão sinistro
da madrugada
do pelo preto
da pele cortada
 .
Cão sinistro
da madrugada
do pelo preto
da pele rasgada

Precisamos resistir

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
estrutura falida
sustentando uma sociedade decadente
moral indecente
instituições hipócritas
 .
querem você dizendo amém
querem você dizendo sim senhor
 .
violência física e psicológica
procuram manter tudo como está
repressão e mentira
realidade distorcida
 .
querem você escravizado
querem você alienado
 .
apenas rotina
repetição e enganação
cérebros controlados
seres mutilados
 .
querem você sem autonomia
querem você sem disposição

Os verdadeiros ladrões

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
roubam sua coragem
roubam sua vida
roubam sua história
roubam sua vontade
 .
distorcem sua memória
cegam suas vistas
calam sua vós
amarram seus membros
 .
apagam o seu eu
registram quem nasceu
desestimulam a criatividade
falam em normalidade

Tá barato

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Tô aqui pagando o preço
por não fazer parte
por não concordar
não compactuar
não aceitar
não me satisfazer com o que é imposto
com as opções empurradas goela abaixo
 .
Tô aqui pagando o preço
por me unir aos da margem
por compreender os que não se encaixam
por concordar com os que discordam
por preferir sentir as fomes dos meus irmãos
que participar dos sórdidos banquetes
oferecidos aos que nos matam
 .
Tô aqui pagando o preço
por ver o mundo com os olhos dos que estão atrás das grades
vendo o Sol se por
entre a tortura e o fedor
com os olhos dos que não se enquadram
dos que lutam por mais
que apenas isso
 .
Tô aqui pagando o preço
mas quando vejo o que teria de fazer
para não pagar esse preço
avalio que tá barato
o preço de viver na ilusão
na mentira, sobre o cadáver alheio, na alienação
é muito mais caro

Selvagem?

Por Fabio da Silva Barbosa

.
uns seres lindos
selvagens
sem os vícios
das maldades civilizadas
sem a contaminação
dos ditos evoluídos
 .
se moviam
no escuro da noite
como felinos(as)
eram únicos
no meio da multidão
rumo a lugar nenhum
 .
suas existências
incomodavam
aos acomodados
que
gratuitamente
os exterminaram