Por Fabio da Silva Barbosa
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Polenta era um cara tranquilo. Não gostava de se incomodar. Dizia que religião e política não se discutem. “Isso sempre acaba em problema e problema não é comigo”.
Mesmo querendo, não conseguiu aprender muita coisa no colégio. Arranjou um trabalhinho qualquer que fosse pagar o feijão com arroz dos filhos e da companheira. “E vamos levantar as mãos para o céu. Tem gente que não tem nem isso”.
Sempre dava bom dia, boa tarde e boa noite. Falava com todos e evitava discordar. Quando havia manifestação que buscasse alguma melhoria local, procurava não se envolver. “Isso não adianta nada. Esse pessoal gosta é de confusão.”
Um dia foi mandado embora sem explicarem o motivo. Tentou conversar, mas não conseguiu argumentar. Procurou emprego, mas estava difícil. Começou a fazer uma coisinha aqui e outra ali. “Deus vai nos ajudar. Sempre agimos direito. Não pode ser assim”
Certo dia teve uma ideia. Iria pedir para a companheira fazer umas comidinhas gostosas. Venderia pelo Centro. Montaria uma barraquinha. “Vou procurar o Fulano. Votamos nele e nunca fomos incomodar. Ele é boa gente e vai entender. Conseguiremos uma licença. Ele disse que precisando era só aparecer e que não esqueceria dos amigos”.
Foi algumas vezes ao gabinete. Sempre uma fila de gente esperando para falar. O eleito em reunião. Passou pelo Centro e viu um bom lugar. Não podia continuar esperando. “Enquanto tento falar com ele, vamos fazendo a freguesia. Logo consigo conversar e ele ajuda”.
A empreitada foi um sucesso. Polenta vendia os comes e bebes, o dinheiro entrava e os clientes gostavam”
Continuou passando no gabinete. Conseguiu falar com Fulano que sorridente apertou sua mão e prometeu. “Pode contar comigo. Dê só o tempo das coisas andarem. Enquanto isso vai vendendo sua comidinha por lá”
Polenta ficou eufórico. Não podia se conter. “Eu disse que tudo ia melhorar”.
Mas um dia a fiscalização apareceu. Polenta tentou conversar. Tomaram tudo que tinha, seu ganha pão, e nem quiseram escutar. “Mas o doutor Fulano tá vendo a licença pra mim trabalhar.”
Empurrão, grosserias e a promessa de que seria preso se continuasse a falar. Polenta subiu o morro triste, desanimado. No meio do caminho se deparou com uma operação policial. A troca de tiro ecoava por todo o lugar. “Ninguém entra e ninguém sai. Vai ter de esperar os vagabundos caírem”.
Polenta preocupado com a família no meio do tiroteio. De repente viu uma mulher descendo a estradinha. Parecia... Não podia ser... E o que era aquilo que ela trazia no colo? Polenta ficou sem palavras ao ver de mais perto o bracinho pendurado, o sangue escorrendo... Nunca mais foi o mesmo. Daquele momento em diante mudou o olhar.
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