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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O Carro da Linguiça

Por Fabio da Silva Barbosa

 .
Não ouvi quando chegaram, mas acordei com um forte barulho. Abri os olhos e continuei deitada. Gritos desesperados começaram a competir com vozes duras.
- Pelo amor de…
- Solta ele.
- Que isso?
- Ele é trabalhador.
- Para.
- Socorro…
- Não faz isso.
- Ele é trabalhador.
- Todo mundo pra trás! Ó o escândalo.  
- Quietinho! Quietinho!
- Não adianta! Perdeu!
Levantei rápido da cama e fui cuidadosamente até a janela que estava aberta. Fiquei de cantinho, escondida pela escuridão do barraco. Avistei o carro branco, sem janelas, parado. Aquele carro era a verdadeira assombração do morro. Não tinha lobisomem, vampiro, alma penada… Aquele carro era o terror. Quem entrava nele, nunca mais era visto.
- Fica quieto, rapaz! Fazer barulho é pior.
- Segura sua mulher aí, se não vai sobrar pra todo mundo. Tamo  tentando ser legal.
Ouvi choros desesperados. Passei por baixo da janela e me escondi no outro canto, buscando uma visão melhor do acontecimento. Tive de ficar mais afastada para fugir da luz que vinha da rua. Eram cinco homens armados. Um deles segurava o filho de Dona Zizinha pelo pescoço com um braço e com a outra mão apontava a arma para a cabeça dele. Os outros quatro apontavam as armas para a família parada na porta de casa. Dona Zizinha sempre morou ali, na frente da minha casa. Bem que achei que alguma das vozes parecia a dela, mas não queria acreditar.
- Mamãe, que barulho é esse?
Meu filho mais velho ameaçou levantar. Fiz sinal de silêncio e gritei baixinho, quase não deixando sair o som.
- Fica aí. Não se mexe.
Ele voltou a se embolar com os dois irmãos na cama de casal que dividíamos desde que o pai deles sumiu no mundo.
Me espremi contra a parede e voltei a olhar para fora. Um dos homens já não pontava a arma para Dona Zizinha, o marido e as 4 filhas. Circulava pela rua olhando para os lados. Olhava principalmente para minha janela. Será que me ouviu falando com o guri? Será que ia me ver? Me abaixei. Ouvi meu filho prendendo o choro. Outro já se mexia na cama, ameaçando acordar. Fiz novo sinal de silêncio. O barulho de choro aumentou na rua e pude ouvir Dona Zizinha gritando:
- Não, não, não… Não faz isso com ele…
Levantei só até a altura necessária e vi o homem que segurava o filho dela ainda empunhando a arma e arrastando o rapaz na direção do carro. Ele já não lutava mais. Abaixei de novo e engatinhei até a cama. Subi nela e me abracei com as crianças que, nesse ponto, já estavam todas acordadas. Ficamos bem quietinhos, ouvindo o desespero da família vizinha. Não havia nada que pudéssemos fazer. Ouvimos o carro indo embora. Ainda por algum tempo, choros e lamentos pela rua. Alvinho nunca mais foi visto.      

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