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sábado, 22 de setembro de 2018

Eu, Princesa e Papai


Por Fabio da Silva Barbosa

Todo dia venho vê Princesa. Ela tá sempre ali esperando.  Conheço bem aquelas patinha pro alto.
Um dia, tinha uns menino jogando pedra pra vê se a barriga dela explodia. Fiquei braba e botei todo mundo pra corrê. Se eu pego, arrebento.
Já chega o que ela sofreu lá em casa. Papai disse que ela pegô ziquezira. No fim, ela já nem andava mais.
Um dia, Papai pensô que eu tava dormindo e foi pro quintal. Esperei um poco e fui atrás. Ele tava com um saco na cabeça da Princesa e apertava o pescoço dela. Ela só tremia a perninha. Voltei pra cama assustada.
Por que Papai tava fazendo isso com ela?
No dia seguinte ele me acordô cedo pro colégio. Tava com cara triste. Corri pro quintal, onde  Princesa costumava ficá. Ela não tava.
- O que aconteceu com Princesa?
- Não sei, minha filha. Acho que fugiu.
Papai respondeu de cabeça baixa. Acho que desde que mamãe foi embora de casa ele não ficô tão triste. Ele também gostava muito da Princesa. Ela sempre esperava ele chegá do trabalho. Quando via ele vindo na estradinha, ia correndo pulá na perna dele, sujando a calça de barro. Papai gostava daquela festa. Eu vinha logo atrás e pulava nele, agarrando no pescoço. Papai era forte e guentava nós duas fazendo festa. 
- Mas ela tava doente que não conseguia nem andá.
- Deve tê melhorado e fugiu no meio da noite. Vamo logo pra você não chegá atrasada.
Ele me deu a mão e fomo em silêncio pela estradinha. Chegamo na pista e atravessamo a primera parte dela. Tinha um rio que separava a primera parte da segunda. De cada lado o carro ia numa direção diferente. Vi que Papai acelerô o passo e resmungô alguma coisa quando passamo pela ponte. Acho que era pra prestá atenção na aula e voltá direto pra casa sem ficá me distraindo pelo caminho.
Na volta, pulava pela ponte olhando as coisa que passava boiando por baixo, como fazia sempre. Mas, dessa vez, quando olhei pro rio, vi as patinha dela pro alto. Era princesa. Eu tinha certeza.
Naquele dia papai voltô bêbado pra casa. Não conseguiu acordá cedo pra me levá pro colégio. Levantei atrasada e fui correndo.  Ela ainda tava lá.
A cada dia que passava, a barriga dela tava mais inchada. Devia tá bebendo muita água. Um dia gritei pra ela se virá.
- Virá a cabeça um poco pra fora dágua.
Ela nem se mexia. Ficava lá, com as patinha pro alto. De vez em quando parecia que eu via a patinha dela tremê, igual naquele dia que Papai apertô o pescoço dela.    
Papai nunca mais foi do memo jeito. Ficô pió de quando mamãe sumiu junto do vizinho. Ele nunca mais me levô pro colégio e todo dia chegava tarde e bêbado.
Pelo menos eu ficava ali olhando Princesa. Cuidando dela de longe. Se a água do rio não fosse tão suja, eu decia lá pra pegá ela. Fazê um carinho naquela barriguinha inchada dela. Mas só o chero daquela água fazia mudá de ideia. Podia pegá ziquezira e depois Papai ia tê de apertá meu pescoço tamém.
Um dia a chuva veio forte. A água do rio tinha subido e levava tudo pela frente. Olhei de cima da ponte e não vi as patinha pro alto, nem a barriga inchada. Tinha uma cadera ali perto que também não tava mais. Era tudo água e coisa passando rápido.
Dois dia depois a água já tinha voltado ao normal, mas Princesa tinha ido embora. Cansô de ficá ali bebendo água, de perna pra cima.
Cheguei em casa e Papai tava dormindo. Não tinha ido trabalhá. Acordei ele e pedi pra ele melhorá logo. Agora só tinha a gente e não era hora de ficá doente também.
Ele ficô me olhando e depois me abraçô forte.
No otrô dia ele começô a melhorá.

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