Por Fabio da Silva Barbosa
- Cidadão de bem, controle mental, bom dia.
- Bom dia. Gostaria de fazer uma denúncia. Tem um morador da minha rua que anda fugindo do padrão.
- Já tentou falar com ele?
- Sim, mas infelizmente está possuído por ideias estranhas. É um bom sujeito, mas está pensando muito e vocês sabem a que isso acaba levando.
- Tem algum familiar que possa pagar o tratamento?
- Não que saibamos. Vive sozinho, lendo livros proibidos.
- Passe o endereço e enviaremos uma equipe de recolhimento para tratarmos esse infeliz pelo Estado.
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- Doutor, acaba de chegar o denunciado.
- Cada vez mais chegam esses tipos. Como está?
- Resistindo muito. Diz que tem direitos e que somos fascistas.
- Amarre na cadeira e use o imobilizador de cabeça.
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- Muito bem, senhor Arrigo… Vamos começar o procedimento de controle mental. Não precisa se preocupar. Nossa empresa tem nome no mercado e devido a sua situação misantrópica, reconhecemos sua falta de recursos financeiros, então todo o tratamento será custeado pelo Estado.
- Eu não preciso de tratamento. Estou me sentindo muito bem. Eu quero ser livre. Quero pensar por mim mesmo.
- Posso ver que sua situação é grave. Não se preocupe. Logo estará normal.
- Mas…
- Anestesista, faça a sua parte. Equipe de programação, coloque os dados no chip implantado no córtex. Cuidado ao introduzir os cabos. Pela espessura da cavidade, ele não fez reparos no chip desde que foi implantado em seu nascimento.
- Acho melhor substituirmos o chip.
- Certo. Peque o antigo e faça uma leitura após retirá-lo da cavidade.
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- Doutor, a leitura do chip demonstra dados alarmantes. O paciente não assistia mais tv, vídeos engraçados na internet ou se guiava pelo Manual do Cidadão de Bem. Estava completamente imbuído de material subversivo e seu cérebro estava acostumado a emitir pensamentos e opiniões próprias. O cidadão desaprovava completamente o pensamento pronto que é oferecido a todos os outros.
- Não se preocupe. Ao acabarmos a operação ele será um bom homem, como todos os outros.
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- Então, senhor Arrigo? Como se sente?
- Acho que bem.
- O senhor acabou de acordar e é natural que esteja um pouco confuso. Tivemos de fazer uma complexa intervenção em sua mente, mas felizmente conseguimos te salvar. O senhor não será mais atacado por dúvidas e angústias. Permanecerá confortável e seguro. Irá sentir a alegria que todo cidadão de bem possui ao absorver nossas certezas. Tudo virá pronto e mastigado, livrando sua mente de todo esforço que os questionamentos desnecessários trazem. Chega de infelicidade. Agora descanse e aproveite o momento. Na mesinha ao lado está o Manual do Cidadão de Bem, onde poderá encontrar o proceder de um verdadeiro pilar da nossa sociedade. Talvez sentirá que esqueceu de algumas coisas, mas teremos consultas diárias e acompanhamento durante a sua recuperação. A vida é curta e como diz o velho sábio: “Temos de aproveitar o momento”, “Direitos humanos para humanos direitos”, “Ninguém pode mudar o mundo”, “Sempre foi assim e sempre será” e “Religião e política não se discutem”.
Risadinhas e tapinhas amistosos na perna do paciente.
Arrigo pensou em ler o manual, mas sentiu uma leve dor de cabeça e ficou com medo de piorar. Se acomodou na cama. Parecia que estava tudo certo, embora soubesse, lá no fundo, que algo não estava.
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