A Orelha de Van Gogh
por ian
rocha
Um
sujeito encontra a orelha perdida de Vincent van Gogh dentro de um pastel de
carne com ovo cozido num bar muito sujo na Rua Aurora.
Sabe
inequivocamente que é ela, a Orelha de van Gogh, como perceberia qualquer
conhecedor mediano de arte somente ao olhar pra aquela orelha, pois ela era, em
termos de composição e proporções, exatamente o que faltava nos últimos
auto-retratos do pintor holandês. Dá um sorriso de canto de boca para si mesmo
e pede um café com leite pra pensar. Observa que o molho de alho e talvez os
séculos que se passaram acabaram por emprestar à orelha uma tonalidade
surpreendentemente alegre, um contraste algo irônico com a disposição de
espírito demonstrada pelo artista em seus últimos anos de vida. Ele a embrulha em alguns lenços de papel meio
sujos de café com leite, e enquanto paga a conta, divaga sobre a possibilidade
de vendê-la por um bom dinheiro. Ao pisar na calçada, um pombo arranca-lhe a
orelha das mãos num rasante. O sujeito dá de ombros e segue seu caminho.
O pastel
estava muito gostoso, por sinal, pra um lugar tão imundo. O café, um pouco
fervido, mas bom.
03/10/2013
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