O COLETIVO ZINE É UMA AÇÃO CONJUNTA. A PROPOSTA É REUNIR DIVERSOS FANZINEIROS OU CRIADORES INDEPENDENTES E PRODUZIR UM TRABALHO COLETIVO. CADA PARTICIPANTE CONTRIBUI DA FORMA COMO PUDER, SEJA NA CRIAÇÃO, MONTAGEM, EDIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, DIVULGAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO. O IMPORTANTE É SOMAR ESFORÇOS. E ASSIM MULTIPLICAR A DIVULGAÇÃO DO TRABALHO DE CADA AUTOR E DIVIDIR O TRABALHO. SE DER CERTO,CONSEGUIREMOS CHEGAR A NOVOS LEITORES QUE JAMAIS CONHECERIAM NOSSO MATERIAL SE O PROMOVÊSSEMOS ISOLADAMENTE. E NA PIOR DAS HIPÓTESES, AO MENOS TEREMOS UMA DESCULPA PARA INSANAS FESTAS DE CONFRATERNIZAÇÃO E LANÇAMENTO DE ZINES. ENTÃO, MÃOS À OBRA. MISTURE-SE.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Retalhos da memória, de Fabio da Silva Barbosa


Fabio da Silva Barbosa:


*Retalhos da memória*


Ele estava encostado no cruzeiro, fumando  um baseado de forma tranquila, a pistola ao seu lado, como se estivesse descansando.  Cumprimentou um grupo que ia passando com um simpático aceno de cabeça. De repente avistou, vindo pelo beco, um menino pequeno e magrelo trazendo outro fisicamente parecido pelo braço. Ambos estavam de bermuda, sem camisa e descalços.
-Olha ele aqui. - Disse o que vinha puxando o outro.
Depositando o baseado ao lado e pegando a pistola, olhou para os dois meninos, fixando o olhar no que vinha sendo trazido. 
-Chega mais perto.
O pequeno livrou o braço da mão do que o trazia com um movimento brusco, com ar aborrecido. Abaixou a cabeça e se aproximou alguns passos, ficando bem próximo do homem armado.
-Olha pra mim. - Ordenou o homem que esperou o menino levantar a cabeça lentamente antes de continuar. - Quer dizer que você anda assaltando na favela com réplica de arma, Zé Pequeno? Cadê a arma?
O menino olhava do rosto do homem para a pistola que este segurava, pendurada ao lado do corpo e depois de volta para o rosto. 
O outro menino entregou a réplica com ar satisfeito.
-Tá aqui.
O homem olhou para o que entregava a arma falsa, pegou com um puxão e examinou com cuidado. Olhou de novo para o conhecido como Zé Pequeno. O garoto estava apavorado. 
-Você sabe o que ia acontecer se tivesse feito isso na favela do outro lado?
Sem esperar resposta, o homem se virou e jogou a réplica contra o chão com toda a força, espatifando o artefato em vários pedaços. O menino levou um susto, dando um pequeno pulo no mesmo lugar. 
O homem voltou a olhá-lo. 
-Eles tinham te colocado dentro de um pneu e posto fogo. - Fez uma pequena pausa e continuou, sempre olhando profundamente para o menino. - Agora, volta pra casa e só sai de lá quando eu mandar. Tá de castigo. Você entendeu? Se te ver pela rua, vai ficar ruim na minha mão.
O menino balançava a cabeça afirmativamente, demonstrando ter entendido. Ao ouvir o homem pronunciar a palavra "vai", sumiu pelo beco por onde foi trazido.
O homem virou-se para o outro que sorria satisfeito. Coçou o queixo, a pistola ainda em sua mão, balançando ao lado do corpo.
-E você?
O menino estendeu a pequena mão magrela para receber os cumprimentos ou algo que valha. O homem deu um forte tapa na mão do garoto, olhando com ar de reprovação. A cara do pequenino se desmanchou em confusão.
-Vai devolver a porra da bicicleta que você pegou  na porta da casa do Portuga. Seu pai sabe que você anda pegando as coisas dos outros? Ele dirige aquele táxi o dia inteiro pra você ficar fazendo merda na favela. Depois que devolver a bicicleta e pedir desculpas, vai direto pra casa. Não quero te ver mais na rua hoje. E quando seu pai chegar, manda ele vir falar comigo. - ... - Tá fazendo o quê ainda na minha frente? Vaza!
Ao ver o segundo menino sumir pelo beco, tão rápido quanto o primeiro, voltou a se recostar no cruzeiro, depositar a pistola ao seu lado, pegar o baseado e acender. Deu uma tragada profunda, soltou a fumaça e murmurou para si mesmo:
-Essa molecada não tem jeito. Sempre aprontando.

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Estava sentado na birosca, tomando uma gelada enquanto o pagode rolava. Observei a criançada soltando cafifa e comentei com o companheiro que estava ao meu lado, cria do lugar:
-O pessoal costuma dizer que o local aqui é perigoso. Venho aqui e acho tão tranquilo.
-Mas aqui é um lugar tranquilo. Você só não pode esquecer onde está. 
-É o que costumo dizer... Todo lugar é tranquilo. É só saber chegar.
-Exatamente. Chegar e sair. Tudo é o comportamento.

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-Como está aí em Foz?
-Lugar bacana, mas um pouco tranquilo demais pro meu gosto. Tô querendo dar um pulo em Cascavel, que é próximo e parece ser uma cidade maior, parece ter uns agitos e tal...
-Mas isso não é em São Paulo?
-Não, isso é aqui do lado. 
-Ah... Tá... Confundi com Cubatão. Mas também... É tudo com C.
-Cu também começa com C e é outro lugar.

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Acordei de manhã e os primeiros barulhos já entravam pelas frestas do barraco. Meu anfitrião já estava de pé. 
-Hoje é dia da famosa Feira de Acari. Vamos tomar o café da manhã na barraca da Tia. Quero te apresentar a feira.
No caminho, passando por um ponto movimentado, com pessoas sentadas nas portas das casas, batendo um papo, crianças brincando pela rua e um mercadinho/bar acabando de abrir as portas. Ele comentou que ali era um dos pontos de encontro da comunidade.
Observei uns buracos profundos no chão e perguntei o que eram. 
-Isso é o helicóptero da polícia que passa atirando para baixo.
-E essa gente toda que mora e frequenta aqui? Esse monte de casas e comércios...?
-É a presença do Estado na favela. Só aparece pra isso aí. Depois ainda quer ser admirado e respeitado.
-Pois é. Mas isso a TV não mostra.
-E quando mostra, é do jeito deles. Como querem que os outros acreditem que é.




*Retalhos da memória II*


Em uma festa de final de ano em um dos botecos que tive. Depois de certa hora, quando dos vapores do álcool e dos inúmeros cigarros acesos, começaram as promessas de sempre. As campeãs eram...  um viva pra quem acertar:
-Ano que vem eu paro de beber.
-Ano que vem eu paro de fumar.
Foi aí que repararam no grande Baixinho, bem quieto na ponta do balcão, com seu cigarro aceso, equilibrando a grande cinza que se formava, e com seu copo de cachaça pela metade.
-E aí, Baixinho? E você? Não fala nada?
-Eu prometo que ano que vem vou continuar a beber e fumar do mesmo jeito! Eu sou o único que vou cumprir minha promessa de final de ano!
- Decretou categórico.

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Era um dia de festa no bairro. Todo mundo pela rua, a criançada brincando, os times locais jogando uma bola e a rapaziada no bar tomando um gelo, enquanto, na Associação, as panelas já fumegavam preparando o almoço comunitário. 
Nessas andanças pelo mundo que a vida nômade me proporciona, sempre procuro me relacionar e frequentar as quebradas.
 Embora guardem suas características culturais de cada região, muito pode ser visto de pontos em comum, independente de onde estes centros de convívio se instalem. Um ambiente sempre agradável, alegre e acolhedor. 
De repente a polícia chega. Armas em punho e procurando saber quem era o responsável pelo evento. O Presidente da Associação de Moradores aparece e explica que é uma confraternização tradicional e uma forna de lazer para os moradores que não costumam ter dinheiro sobrando para fazer viagens e outras fontes de entretenimento.
Os caras ignoraram a fala do representante local e perguntaram sobre autorizações e alvarás. Moradores e outras lideranças comunitárias foram chegando e o clima descontraído começou a ficar tenso. Mas o Presidente era experiente e conseguiu resolver a questão, evitando conflitos que poderiam estragar a confraternização. Muita conversa e algumas ligações feitas. O aparelho repressor ficou mais algum tempo por ali, mas logo se foi.
O Presidente pegou o microfone e disparou:
-Tá tudo bem, pessoal. Não vamos deixar que estraguem nossa festa. E a alegria voltou a reinar no local.

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Uma memória mais recente, mas que vale entrar nestes retalhos, foi de quando, vindo do Paraguai, resolvi pegar uma das inúmeras vans que fazem a travessia pela ponte até o Brasil.
Normalmente ia até a Bodega Gonzalez tomar uma cerveja paraguaia bem gelada e a preço bem menor que no Brasil e na volta ainda fazia um almoço super em conta numa das simpáticas barraquinhas que existem pelas ruas. Normalmente retornava a pé. Contudo, nesse dia estava armando um grande temporal e resolvi pegar o transporte para não enfrentar a chuva que estava para chegar. 
Um cara bem animado, sentado na porta, com uma lata de cerveja em uma das mãos e um cigarro na outra, não parava de falar. Mesmo com o carro em movimento, a porta ficava aberta até perto da fronteira e ele podia soprar a fumaça pra fora. 
Esses passeios no Paraguai sempre foram muito ricos e os mantive enquanto pude. Mas o dinheiro começou a ficar escasso e mesmo sendo um divertimento barato, tive de abandoná-lo por um tempo. Mas isso já é outra história.
Chegando perto do controle da fronteira, bituca jogada fora, porta fechada e todo mundo com cara de santo. No banco da frente, ao lado do motorista, uma senhora, vestida com roupas e o cabelo arrumado da maneira convencional que as pessoas costumam se vestir na igreja evangélica, ajeitou sua sacola embaixo do banco, coisa que outros dentro do veículo começaram a fazer também.
Ela virou para o motorista e disse:
-Põe um louvor aí, meu filho. Se Deus quiser eles não vão nos parar. 
O motorista seguiu a orientação dela e pôs o louvor para tocar.
Passando pela fiscalização, foi feito sinal para encostar e pediram que todos descessem com suas sacolas e colocassem sobre a mesa. Em seguida pediram as identidades. 
-E você aí? Não tem nada? 
Respondi que havia apenas ido passear e não tinha feito compras. 
Após todas as sacolas serem vistoriadas e as conferências feitas, alguns tiveram as mercadorias apreendidas e outros puderam seguir com as suas. Todas as identidades foram devolvidas.
A senhora evangélica conseguiu voltar com sua bolsa para dentro do carro e muito inocente a felicitei, dizendo que o hino de louvor tinha funcionado ao menos para ela. 
-Nada, meu filho, eu tava dentro da cota, mas essa cota é mensal. Uma vez que nos cadastram, só podemos voltar a trabalhar daqui trinta dias. Uma mulher ao meu lado que também tinha seguido com suas coisas, disse que tinha de tomar um banho de sal grosso, porque já era a terceira carteira de identidade que pegava emprestada e que também foi cadastrada. 
O assunto foi rolando dentro do carro e pela primeira vez tive contato com o trabalho dos conhecidos como laranjas. Mais uma forma criativa que pessoas comuns tem para driblar o desemprego e os subempregos. Estes subempregos são uma das formas de escravidão moderna, onde as pessoas trabalham em jornadas brutais de, teoricamente, oito horas por dia, na maldita escala seis por um.

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Um dos botecos que tive ficava na subida de um dos inúmeros morros de Niterói, cidade do Rio de Janeiro. Tenho muitas memórias daquele lugar. G., mostrando o álbum de fotografias do enterro do pai, com closes do senhor morto cheio de algodão no nariz e na boca. A. sendo encontrada dormindo sentada no vaso enquanto me preparava para fechar o bar... Mas a que irei relatar aqui é de uma curiosidade bizarra. 
Era dia de pagamento. Além do dinheiro, as pessoas recebiam suas cartelas de vale transporte.
Um dos clientes tomou seu porre habitual e seguiu para a favela. Era um sujeito muito tranquilo, o bêbado gente boa, que não criava problema, não ficava de brabeza, não esquecia o que tinha de pagar... De repente voltou nervoso e se tremendo todo. Disse que tava tendo operação policial na subida do morro. Um vizinho dele que bebia por ali perguntou qual era o problema, já que ele não devia nada.
-O problema... É que os filhos da puta levaram todo meu dinheiro e ainda minha cartela de vale transporte. 
-Tá vendo essa aí? O cara acabou de ser assaltado pela polícia. O que mais posso dizer pra vocês? Pra quem ele vai reclamar? - Gritou o vizinho para todos que estavam no bar. - Bota um conhaque pra ele aí, Fabio, que eu pago. - E emendou com seu bordão predileto. - O que é um peido pra quem tá todo cagado?

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Campeonato de futebol no morro. Todas as comunidades da redondeza reunidas em uma grande confraternização.
Como era época de eleição, aquele triste personagem de sempre tinha de aparecer para tirar proveito da situação.  Um conhecido candidato, daqueles que nunca trabalhou na vida, mas sempre mamou nas tetas do Estado, parasitando o povo, chegou, fez seu discurso, esbanjou demagogias e hipocrisias mil.
Na hora que estava indo embora, alguma pessoa muito espirituosa colocou Candidato Cao Cao.
Foi lindo vê-lo ir embora, muito sem jeito, sob a voz do imortal Bezerra da Silva:

"Ele subiu o morro sem gravata
Dizendo que gostava da raça
Foi lá na tendinha bebeu cachaça
Até bagulho fumou

Jantou no meu barracão e lá usou
Lata de goiabada como prato
Eu logo percebi é mais um candidato
Para a próxima eleição

E lá usou
Lata de goiabada como prato
Eu logo percebi é mais um candidato
Para a próxima eleição

É, e ele fez questão
De beber água da chuva
Foi lá no terreiro pedir ajuda
Bateu cabeça no gongá

Mas ele não se deu bem porque
O guia que estava incorporado
Disse: Esse político é safado
Cuidado na hora de votar

Também disse: Meu irmão
Se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda a polícia lhe bater, podes crer

Meu irmão
Se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda a policia lhe prender

Ele subiu o morro sem gravata
Dizendo que gostava da raça
Foi lá na tendinha bebeu cachaça
Até bagulho fumou

Jantou no meu barracão e lá usou
Lata de goiabada como prato
Eu logo percebi é mais um candidato
Para a próxima eleição

E lá usou
Lata de goiabada como prato
Eu logo percebi é mais um candidato
Para a próxima eleição

É, ele fez questão
De beber água da chuva
Foi lá no terreiro pedir ajuda
Bateu cabeça no gongá

Mas ele não se deu bem porque
O guia que estava incorporado
Disse: Esse político é safado
Cuidado na hora de votar

Também disse: Meu irmão
Se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda os homens lhe bater, podes crer

Meu irmão
Se liga no que eu vou lhe dizer
Depois que ele for eleito
Dá aquela banana pra você, podes crer

Meu irmão
Se liga no que eu vou lhe dizer
Hoje ele pede seu voto
Amanhã manda a polícia lhe prender, podes crer"

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Saiu de casa pela manhã e foi passear durante o final de semana com a família. 
Chegando de volta, percebeu que haviam levado tudo, inclusive seu vídeo cassete novo, na época, um lançamento. 
Falou para a companheira e os filhos não se preocuparem, iria resolver.
Foi até a boca e pediu para falar com o gerente.
-Olha, meu amigo, sou cria daqui do morro, nunca incomodei vocês, mas saí para um passeio com a família e quando voltei tinham entrado na minha casa e levado tudo. Eu quero saber se preciso chamar a polícia ou vocês mesmo resolvem?
-Que polícia, rapaz. Deixa que a gente resolve isso.
Rapidamente foi feito o levantamento. Três caras do morro vizinho cortaram caminho por ali, passaram pela casa e viram que não havia ninguém no momento. Aproveitaram a oportunidade.
Pegaram o primeiro dos três que encontraram pela frente e levaram até o gerente.
-É o seguinte... Você tem até amanhã para devolver tudo e pedir desculpas pro morador. E outra... Os dois que estavam com você, eu quero mortos. 
No dia seguinte o cara volta com um jornal embaixo do braço.
-Foi tudo devolvido e os dois que tavam comigo, tão aqui.
Entregou o jornal para o gerente que leu na primeira página: "Dois cadáveres encontrados no lixão".
-Então... Tamo certo, né?
O gerente desvia os olhos do jornal, olha pra ele e diz:
-Ainda não. Ainda falta você.



*Retalhos da Memória III*

Ele estava conversando com o pessoal na esquina. Sempre sorridente, o boa praça estava constantemente rodeado de amigos. 
Enquanto o papo rolava  solto, um carro parou lentamente. A janela abriu e uma voz se fez ouvir em tom descontraído.
-Ei, S., chega aí.
Ele se aproximou e o estouro se fez ouvir. O corpo caiu sem vida, enquanto o carro acelerava furioso, sumindo pela noite. Gritos, choro e desespero dos que estavam presentes.
Dizem que ele colou com a ex de um maluco da área. Daqueles que não sabem o significado de ex. Mas o motivo não importa. O que rolou é que o boa praça fez falta na quebrada. 

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O cara era considerado e toda a rapaziada gostava dele, mas foi feita a dívida e ela precisava ser cobrada. 
Os dois manos que escalaram pra fazer a cobrança esperaram ele aparecer. Com certeza tava só dando um tempo, achando que passando um período não sei o que aconteceria...  Difícil entender a cabeça de uns e outros, mas o certo é que era do tipo que não se precisa correr atrás.
Não demorou e chegou o dia. Ele veio subindo a viela devagar, desconfiado. Viu os dois chegados que acenaram sorridentes. Devolveu o sorriso e se aproximou.
-Falaí, rapaziada? Tudo tranquilo?
-Tava sumido da área?
-Levantando um troco pra pagar o que devo.
-E conseguiu? 
-Não, mas logo consigo.
-Não esquenta, meu mano. Você veio no dia certo. Temos uma parada quentíssima aqui.
-É, B. - Disse o outro já esticando a linha em cima da carteira. - Deixa eu dar a minha já que tive o trabalho de fazer e já te passo pra você dar a sua. 
-Depois da minha. Dá a sua que dou a minha e depois é ele. Afinal, o turista aparece e ainda tem regalia?
Todos deram risadas. B. esperou pacientemente sua vez. Abaixou a cabeça e mandou ver. Ao subir a cabeça, só teve tempo de perceber o cano encostando em sua testa.


Fabio da Silva Barbosa


terça-feira, 21 de junho de 2022

Sem ponteiros

 Sem ponteiros


Por Fabio da Silva Barbosa



Um céu escuro

cinza e completamente sem luz

nesse frio insuportável

que congela nosso peito

e mata nossa alma

sufoca nosso grito 

e ninguém entende

algo de tudo que falamos

e ainda tentamos explicar

mas já não temos tempo a perder

com ouvidos surdos

ou mentes enlatadas

Tudo o que resta 

é o nada

sem cheiro, sem gosto e sem sentido

sem perspectivas e sem futuro

Nada mais faz sentido

E quando é que fez?

Os parasitas chegam pra sugar

o que ainda resta

e os carniceiros já aguardam os meus restos 

e nossa existência inexistente

não permite que esqueçamos

do vazio que nos preenche

Estamos tão áridos

que nosso solo já rachou

Nada mais nasce aqui

nessa terra devastada

E até os cegos podem ver

mas eles também duvidam

Afinal

acreditar

virou apenas mais uma forma de mentir

É apenas a lembrança

dessas plantas

que há muito

já morreram

e não adianta mais regar

e não adianta querer dançar

se as pernas já caíram

Como ovos podres

eles tentam

nos convencer

que só querem ajudar

mas a vida já passou

e a memória se esqueceu

o tempo se arrasta

e a hora nunca chega


quarta-feira, 15 de junho de 2022

vontade de cagar

 

vontade de cagar


por agner nyhyhwhw


é carnaval

tempo de festejar

e eu só sinto

vontade de cagar


festa na empresa

pra comemorar o lucro recorde

e eu só sinto

vontade de cagar


a imprensa chama pras eleições

é a festa da democracia

e eu só sinto

vontade de cagar


a pandemia acabou

tudo voltou ao normal

e eu só sinto

vontade de cagar


já é natal

é tempo de comprar e presentear

e eu só sinto

vontade de cagar


chego em casa

tem tv, internet e microondas

mas eu só sinto

vontade de cagar


segunda-feira, 7 de março de 2022

Incontido

 Incontido

Tua ausência é um ferir 

Os lábios que tentei pousar 

É uma imagem miragem 

Confunde meus sentidos 


Estive mesmo a pensar 

Como dói a dor t'áqui!

Num romance sem par 

Perder-me nesse desejar 


Nem mesmo ouvi dizer 

Tuas palavras não soam-me

Nessa distância certa


Tente ouvir meu sussurro

Nem é sonho nem nada 

Querer ainda é pouco! 

sábado, 20 de novembro de 2021

A presença do simbolismo ainda latente


O engodo

   Um homem teve o mesmo sonho três vezes seguido, um ciclo. Neste sonho via a si mesmo como uma criança como qualquer outra, brincando com objetos geométricos. Era sempre noite quando a criatura aparecia, dizendo coisas em uma linguagem hipnótica. Na primeira vez que sonhou, não sabia decifrar o significado de tais palavras, mas não tinha medo  mesmo sendo apenas uma criança encarou a criatura, enquanto o relógio badalava mais alguns segundos e o tempo escorria lento, sabia que estava num sonho e seu corpo real estava na cama.

    Apenas alguns segundos se passaram dentro do sonho e a criatura continuava proferindo seu mantra: “revelare / semita autem revelare / est mortis”. Mas as horas dentro de um sonho diferem das horas do mundo da realidade.

    Acordou e olhou o relógio, eram seis da manhã. Tenho que ir trabalhar. Enquanto se arrumava ficou pensando naquele sonho que tivera e no que possivelmente este sonho estava querendo lhe dizer, pois em toda sua vida até o presente momento, nunca tivera um sonho tão estranho e misterioso.

    O tempo passa e cumprida à rotina do dia a dia, mas uma vez o home adormece e sonha o mesmo sonho de antes. Ao acordar, são seis da manhã em ponto. “Estranho, o mesmo horário de ontem e o mesmo sonho” disse. Enquanto se arrumava ficou pensando novamente no que poderia significar aquela linguagem que a criatura proferia e que ele não conseguia identificar, mas nada do que pensou trouxe uma possível resposta. Tenho que ir trabalhar.  O dia transcorre normalmente e nada de anormal acontece. Apenas a mesma rotina.

    Mas uma vez o homem adormece e tem o mesmo sonho de dois dias atrás. Só que ao despertar o relógio marca meia noite dessa vez. Com o sonho ainda fresco na memoria e sentindo um calafrio repentino, corre direto para espelho pendurado em algum canto de seu quarto. Através do espelho vê sua cama e seu coração gela com o que é visto na cama.  Seu próprio corpo jazia ali imóvel. 

                                                                                                   (texto por David Beat 


 

domingo, 8 de agosto de 2021

Bater punheta na poeta do precipício - POESIA PODRE

 Por: Diego El Khouri


bater punheta na porta do precipício
chafurdar na lama, comer cocô e engolir vômito
cuspir em todas as leis, mesmo aquelas que eu criei
rasgar contratos, fazer gato na energia
ignorar estado, tv, igrejas, netflix
queimar racista dentro do culto ou da missa
não importa se é de noite ou de dia
se você vai gostar ou odiar
esquartejar a cara falsa e moralista
da sociedade cínica e vil

sísmico peido de coisa podre e doente...

arcabouço de experiências
vividas no inferno
letargia absoluta, alcoólica
(desconexo)
monóxido de carbono
cheiro de gasolina e batata frita
e essa vontade de cagar
na boca voluptuosa da moralidade.

* Poema retirado do livro Poesia Podre lançado pela Editora Merda na Mão.


Livro Impresso: Poesia Podre
Autores: Alexandre Chakal, Diego El Khouri e Fabio da Silva Barbosa
Gênero:  Poesia  
Formato: 14X21  | ANO: 2020 
Páginas:  50
Capa: cartão 300 c/ laminação brilho
Arte da capa: Guga Burkhardt
Miolo: offset fosco

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

CAVIDADE, livro de ALEXANDRE MENDES

 

CAVIDADE, livro de ALEXANDRE MENDES


Alexandre Mendes foi um dos primeiros apoiadores da ideia Coletivo Zine. Quando a ideia surgiu, de imediato animou a participar. Assim, esteve presente ativamente nas três edições impressas que foram lançadas, colaborando com textos, ilustrações, HQs, e ajudando na impressão e distribuição dos zines.

Infelizmente, esse grande artista e ser humano nos deixou em 2017. Como Alexandre já havia enviado material pra uma possível quarta edição, foi então lançada na época uma edição especial do Coletivo Zine, uma coletânea de suas participações. Foi feita também nesse blog uma devida homenagem.

E agora, a Editora Merda Na Mão, uma iniciativa de outros dois importantes participantes do Coletivo Zine, Diego El Khouri e Fabio da Silva Barbosa, lança o livro CAVIDADE, reunindo textos marcantes do Alexandre. Uma obra imperdível para os apreciadores de literatura underground autoral.

Mais informações sobre o livro e para contatar a Editora: https://editoramerdanamao.blogspot.com/2020/12/cavidade-obra-postuma-do-alexandre.html e editoramerdanamao@gmail.com .







quinta-feira, 3 de setembro de 2020

POR: EDU PLANCHÊZ MAÇÃ SILATTIAN

 e ele agarrou a linha e saiu arrastando

pelos continentes o gigante animal que flutuava,
se era uma aranha de gás.
respondo que sim porque sou um homem convicto,
um sem nome, um nômade dentro de uma caixa de vidro,
dentro de um reinado de luzes
contemplando os relógios estampados no veludo do boldo,
das folhas do boldo, das folhas dos tomateiros
crescidos a golfadas por dentro das friagens
o sonho do mar recreio dos bandeirantes
que fica a algumas esquinas daqui,
a algumas léguas do não fim das coisas
arte, peças das cavidades, das covas,
dos buracos, das linhas do caderno virtual
arte, que nos preserva desde muito antes,
eu camarada rupestre, rude,
antiquado para a maioria,
por ser o homem letra, o homem das letras,
dos sopro das letras, do jorro de letras
tal christina oiticica enterro pinturas na terra,
na neve, na natureza da neve,
no cal dos tremores dos bichos
e eu chamo em telepatia diego el khouri e joka faria
por nada além de palavras largadas
nas ruas que são ruas e que não são ruas.

domingo, 30 de agosto de 2020

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

POR: EDU PLANCHÊZ MAÇÃ SILATTIAN

 aqueles que ignoram a vigente pandemia

são suicidas passivos assassinos,
que perderam a capacidade da reflexão,
do ver e do compreender
a refinada percepção que nos abre os olhos,
os olhos da alma lógica aqui desse mundo mesmo
se a forma de se proteger e de proteger o outrem
é o distanciamento social e eu não tomo conhecimento
e continuo vivendo como se nada tivesse acontecendo,
estou fora do trilho, pois estou colocando a minha vida em risco
e a vida das outras pessoas também
buscando luminosidade para entender o porque
das pessoas dessa nação continuarem a apoiar
um chefe de estado genocida
que nada ou pouco faz para manter você e eu vivos
o maior de todos os tesouro é a vida,
cada vida perdida é uma vida perdida,
um amor a menos no mundo,
e perder vidas por omissão de um chefe de estado
que insiste em negar a tragédia
que é ter fora de controle de propósito,
por maldade, um vírus
que já dizimou apenas em nosso país
mais de cem mil pessoas,
é algo degradante

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Diagnóstico


Por wagner nyhyhwh:

Diários da pandemia:

Diagnóstico

-Fiz o teste rápido pro vírus. Sinalizou que meu corpo produziu anticorpos, ou seja, eu peguei o vírus em algum momento.
-Mas você teve algum sintoma?
-Não, não senti nada. Sabe o que isso significa?
-O que?
-Que eu sou atleta, mesmo sem fazer nenhum exercício físico.
-Pela lógica bozonariana, faz sentido.


quarta-feira, 17 de junho de 2020

terça-feira, 16 de junho de 2020

sexta-feira, 5 de junho de 2020

CUPINS DO TEMPO

Por: Diego El Khouri


o esfacelamento do dia
se esboroa no toque  sutil
de morte sentida

vermes suicidas
sombras noturnas
de peles esquálidas
carcomidas pelos cupins do tempo

quartos fechados
inundados pela quarentena
que esquartejam os passos

papéis  amassados
finos traços  de cigarros
ausentes de fumos
que elevam o orgasmo

sem marola,  sem voz
garganta seca
trêmulas mãos de vagabundo
no subsolo da casa

janelas fechadas
banheiros  imundos
de sêmen  e solidão

punheta elétrica
sois fúnebres, divinos
milicos assassinos
  — cabeça   que não  se move
ao perigo do tempo.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

OS CIDADÃOS DE BEM e o FIM DA QUARENTENA

Por: wagner nyhyhwh

DIÁRIO DA PANDEMIA:
CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS:

OS CIDADÃOS DE BEM
e o
FIM DA QUARENTENA





domingo, 31 de maio de 2020

POR: EDU PLANCHÊZ


a porra do corona vírus,

a porra da gripe espanhola

que não é espanhola,
a porra que esporra nos infelizes
para eles continuarem infelizes,
o maldito ódio de tudo que gera censura,
prisão, mentira, idiotas e canalhas

ah, muitas vezes sou idiota e canalha,
e ladrão também, e podre, e perfumado,
e jarro de flores carnívoras,

flores de carne,
árvores de folhas dentuças,
árvores cagadas pelo cu mesmo,
pela boca, pela boca do lobo,
pela boca da borboleta amarela e preta
que insiste em por seus ovos
nas folhas do meu pé de maracujá
para que cresçam lagartas famintas
devoradoras de pés de maracujás,
e hoje, eu vi ela,

a borboleta amarela e preta chegar
para despejar seus ovos futuras lagartas
na minha planta que não é minha,
eu gritei com a borboleta,
ela se foi, mas quando eu não estiver
por perto sem a ver,
certamente voltará para despejar

seus ovos famintos,
como a planta cresce

na janela do apartamento,
os pássaros que controlam as lagartas,
por me temer aqui não chegam,
eu continuarei com petelecos,
descartando as lagartas