Reunião de família
Por: Fabio da Silva Barbosa
Estávamos todos em volta da mesa. Alguns
nem viram o enterro, pois já estavam ali desde cedo. Tio Nico parecia um
camarão. A cada gole da cachaça, ficava mais vermelho. Pediram mais uma porção
de cu de galinha à milanesa e outra garrafa de cana.
- Ele ia gostá de tá aqui com a gente. –
Lamentou Caveirinha.
Rosita abriu o berreiro com grande
escândalo e Tia Carmela interveio:
-Só fala bobagem, heim Caveirinha. Não
fica assim, minha filha. Ele deve estar num lugar melhor que a gente.
Tio Nico já estava no estágio do
filósofo e falou enquanto coçava a barba:
- Aquela ninhada parece que nasceu
amaldiçoada. A menina sumiu no mundo com o açougueiro e dizem que já virou
mulher da vida e tudo. O mais velho enlouqueceu... Agora Tiquinho se enforca.
Tio Nico estava certo. Aquilo parecia
mesmo maldição. Roberval e Manú eram primos, casaram contra a vontade de toda a
família, tiveram três filhos e, ao contrário do que todo mundo dizia, nenhuma
criança nasceu com problema físico. Na verdade, teve a segunda que morreu pouco
depois de nascer. Eram quatro irmãos.
- Desculpem o atraso. - Era a tal menina
que tinha sumido no mundo. O pessoal demorou um pouco para reconhecer, mas ela
se apresentou logo depois de acender o cigarro. – Sou a irmã do morto. Que
cambada, heim? Nem lembram da filha dos primos. Pede o copo aí que tô
precisando de um trago.
Tio Nico me olhou com aquela cara de “Eu
não falei?”. Ele era do tempo em que menina não mostrava as canelas. O mundo
devia ser assustador para alguém que não percebeu as mudanças acontecendo. Ele
parecia ter adormecido durante décadas e de repente se deparado com tudo assim.
Rosita estava quase sob controle, mas
suas mãos ainda tremiam enquanto apertava o lenço de pano contra o nariz e assoava
com força. Mastigando mais um cu de galinha à milanesa, Seu Bartolomeu começou
a falar sobre a tentativa de trazer o irmão do morto para o enterro.
- Mentira! – Cortou a irmã recém
chegada.- O desgraçado está abandonado naquele chiqueiro há anos. Ninguém
aparece. Vocês não querem ter de ficar com ele em casa.
Daí começou um falatório enlouquecido.
Rosita voltou a chorar compulsivamente, enquanto os demais iam perdendo o
controle durante a discussão sobre a responsabilidade dos parentes com o irmão
do morto. Enchi meu copo de cana e peguei mais um cu no prato. Taquei bastante
sal no bichinho e comecei a lembrar da última reunião de família que tivemos.
Foi exatamente quando os pais do morto anunciaram o casamento. Tudo terminou em
uma grande pancadaria. Depois deste dia, nunca mais houve uma grande reunião.
Viveram felizes durante os primeiros
anos, mas, com a vinda dos filhos, as dívidas começaram a crescer e, como as
coisas sempre podem piorar, Roberval acabou por ficar desempregado e os biscates
demoravam a aparecer. Manú começou a se embebedar diariamente e Roberval, que
sempre gostou de tomar uma, enveredou pelo mesmo caminho. Nesse meio tempo, o
filho mais velho apresentou sérios distúrbios mentais. Quebrava a casa toda e
até esfaqueou um vizinho que ele acreditava estar possuído pelo demônio.
Um belo dia, Roberval saiu para procurar
emprego e não voltou mais. Manú se afogou de vez na cachaça e seu corpo acabou
por não resistir. Nessa época, as crianças já estavam grandes e foram morar na casa
de parentes. Ah, sim... Teve a que morreu no meio disso tudo, o que deu mais
força as críticas dos parentes.
- Afinal, quem te avisou do enterro e
como você nos encontrou aqui?
- Notícia ruim chega rápido.
A gritaria tirou-me do mundo das
lembranças. Tomei mais gole da cana e voltei a mergulhar no passado. Voltei bem
para o dia em que Tiquinho havia conseguido emprego de zelador em um prédio e
foi morar no morro das redondezas. Pouco tempo antes, sua irmã já tinha dado no
pé com o açougueiro. Passado mais alguns anos, o irmão, que já tinha esfaqueado
o vizinho, matou Seu Bonaparte. Seu Bonaparte morava no fim da rua e veio
reclamar: “O maluco matou meu cachorro!”. Nunca tivemos certeza se tinha sido
ele que matou o cachorro, mas, com certeza, foi ele que matou Seu Bonaparte.
Toda a vizinhança assistiu ao massacre sem conseguir parar as pauladas. Como
ele já tinha histórico de violência e tentativa de homicídio (o caso da
facada), o juiz mandou guardarem o infeliz no manicômio judiciário.
Tiquinho conseguiu se manter no emprego
e virou freguês do puteiro que ficava no centro da cidade. Lá conheceu Teodora,
por quem se apaixonou. O problema foi que Tiquinho começou a contar mais
vantagem do que tinha no bolso e Teodora começou a apertar ele. Por fim, percebeu
que não tinha mais de onde tirar dinheiro e Teodora não queria saber de homem
pobre. Foi nessa que o último filho dos primos, com quem eu ainda tinha
contato, se enforcou.
Parece que a menina, antes de fugir com
o açougueiro, estava reclamando do comportamento de Tio Nico. Dizem que ele
estava se aproveitando da coitada. Vai saber. Essa família adora um
disse-que-não-disse. Uma coisa era certa: O Açougueiro tinha o dobro da idade
dela e Tio Nico ficou cheio de raiva. Dizia que aquilo era imoralidade e que
isso não podia ser. Nesse momento, um barulho alto me trouxe novamente para a
mesa do bar. Todos estavam gritando em pé e a irmã do morto vinha com tudo,
empunhando uma garrafa quebrada na direção de Tio Nico. O tumulto foi geral,
mesas caíram no chão e alguns tentaram tomar a garrafa da mão dela. Levantei
reparando que uma forte chuva havia começado a cair lá fora. Aconcheguei-me num
canto e fiquei apreciando o pandemônio. Acho que vai demorar até termos outra
reunião de família.
Bela leitura.......de família. Me lembrei do filme Parente é Serpente. kkk
ResponderExcluirabs
DE LEITOR PARA LEITOR: ATENÇÃO: UMA CRONICA SOCIAL 2. http://wesleyliteratura.blogspot.com/2014/01/nao-ha-vagas.html?spref=t
ResponderExcluirDE LEITOR PARA LEITOR: ATENÇÃO: UMA CRONICA SOCIAL 2. http://wesleyliteratura.blogspot.com/2014/01/nao-ha-vagas.html?spref=tw
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