(Por Diego El Khouri)
Era noite. Uma noite como outra qualquer. O tempo transcorria rápido e o relógio dependurado na parede da sala batia como um soco n'alma.
As virgens sombras dos delírios recaiam sobre a morbidez ultrajante das janelas trancafiadas. O calor era intenso; as vozes apavoradas dos uivos que se seguiam na vasta escurdidão da noite tardia assustavam até mesmo os mais incrédulos, e o vinho era o último consolo na madrugada.
Saibam porém que nunca tive medo; tinha recostado no meu leito de marfim a meretriz dos insanos devaneios, e com ela inevitavelmente me perdia e vencia minhas inquietações dessa alma um tanto errante.
- Sugava de seus lábios a angústia e de seu ventre o enlevo e no seu branco seio me embebia de loucura.
Meu corpo estremecia exataldamente ao toque lascivo de luxúria, e todos problemas, remorsos e desafetos pareciam viver distantes, muito distantes de meu humilde aposento que agora fervia como fogo em brasa. Era a desconstrução tempestuosa da realidade.
Sobre seu corpo lívido mais um gozo externecia meu insaciável apetite que reclamava ferozmente a ausência do amor e assim... assim mesmo entre suas entranhas... eu dormi.
Uma fina chuva de outubro começara e nós dois (seres pequeninos, ridículos e mortais) descansávamos em nossos translúcidos devaneios, e o cheiro forte do sexo continuava impregnado em nosso corpo febril, mesmo quando o dia timidamente se aproximava.
Despertei...
Levantei da cama semi-nu; preparei o café, esquentei umas duas torradas, olhei as horas e percebi que ainda era muito cedo para trabalhar; fiz a barba, lavei meus músculos cansados, li o jornal, vesti a roupa, coloquei meus óculos que me davam um certo ar de intelectual; observei... admirei mais uma vez a forma nua e voluptuosa que ainda delirava em seus sonhos de rainha, e saí: "Ora, era preciso também ganhar dinheiro!"
Ao longo dos dias aquela desgraçada sutil beleza penetrava em meus pensamentos, e mesmo se quizesse afastá-la de minha cabeça a imposição inebriada de suas coxas era algo incontrolável.
Lembrava constantemente de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, e tentava arrancar do fundo de suas teorias a chave desse meu desejo compulsivo por aquela bela mulher. Sartre, Aristóteles, Epicuro, Emmanuel Kant... Nada! Filosofia nenhuma era capaz de explicar as loucuras que me levavam sempre ao seu encalço que muitas vezes era regido por uma repulsa interna e até um nojo estranho - o seu sexo "puro" de ninfeta e nauseabundo de puta me encantava, inconsciente, mas me encantava. E mesmo passado tantos anos, volta e meia me invande a mente o princípio de todo esse relacionamento cercado de mentiras, intrigas e prazeres escandalosos.
Tudo começou na noite de vinte e alguma coisa de... de... não, não em lembro exatamente o dia e muito menos o ano, lembro apenas que tal evento acontecra em meados de outubro a uns quinze anos atrás. A senhorita Desirré, famosa puta da vida boêmia de Paris que chegara há tempos no belo estado de Goiás, logo tratou de abrir seu "estabelecimento comercial" na capital, que tinha como melhor produto jóias raras: vagabundas de brio, grandes deusas do prazer. Logo a cafetina francesa me apresentou uma menininha que desde o início me chamou a atenção; a jovem se chamava Marisa, uma moça criada no interior de apenas vinte e um anos de idade. Era uma irresistível tentação para um homem que beirava os quarenta e cinco. A ninfeta exibia um corpo delicado, branco e puro como a aurora, seios fartos que pareciam derramar leite, olhos distintos e penetrantes, cabelos negros como a noite, lábios vermelhos que lembravam nitidamente a cor do epcado, nádegas volumosas e envolventes. Ah! Como ela me enlouquecia!
Foi necessário apenas uma noite longa de orgia para me sentir irremediavelmente preso a esta musa diabólica e cada dia mais, cada movimento erótico de seu corpo, cada beijo ardente, cada toque caudaloso em meu ser me levava lentamente à morte, mas não era uma morte física e sim moral (...). A partir daí não envolvi com mais ninguém... - Ah, que ironia!... Como uma garota frágil pôde bagunçar a vida de um coroa tão careta e experiente?!
Depois de meses nos encontrando naquele antro de perdição, Eu - um romântico energúmeno - a instalei no meu querido lar e pela primeira vez senti o gosto real do amor.
Ao seu lado eu me sentia no papel de uma criança desprotegida, usurpando palavras doces no ar, brincando de ser feliz. Ela era a minha mulherzinha.
Vivemos juntos lindos dias. Apesar do meu trabalho árduo e estressante eu encontrava forças para dar-lhe muito carinho. Embora nossa relação fosse baseada exclusivamente no sexo o meu desejo perambulava por áreas transcendentais e sublimes do paraíso. Ela era um anjo. Um doce de pessoa. Ah, ela era a minha namoradinha e eu a amava muito!
Certo dia resolvi sair mais cedo do escritório e chegar em casa para lhe fazer uma grata surpresa. Caminhava nas estradas azuis do meu coração rumo à felicidade, olhava atento ao caos que reinava a metrópole conturbada, enxergava a uma certa distância as crianças nas calçadas imundas pedindo esmola, mas nada me aborrecia e a cada segundo que me aproximava da minha querida dama o meu peito dançava freneticamente e a respiração por momentos, um tanto ofegante. A sensação de tê-la logo perto de meus lábios me alegrava. E depois de alguns (eternos minutos) eu... cheguei.
- Nossa! Até que enfim cheguei em casa... Amooorr...
- O-o quê...?
- Quem é esse barrigudo aí na porta, Camila??!
- C-C-Camila???! Marisaaa!!!!!
Aquela prostitura ordinária estava em minha cama se contorcendo nas voragens do amor com um rapazote desgraçado, eu podia ver os dentes dele cravado em suas costas que a pouco eram só minhas, podia ainda ver ouvir os gemidos saltando de sua boca ingênua, seu corpo se afogando no membro hermético do moleque, os dizeres tolos que provavelmente minhas orelhas de abano já tinham registrado, seu sexo fatigado com os movimentos ininterruptos do amor...
Louco, incontrolável com a cena que acabara de ver, apanhei rapidamente a arma que se insunuava sobre o criado-mudo do quarto, gritei mais uma vez, eu estava extremamente agitado, minhas mãos tremiam muito, o suor escorria da testa corria como um dilúvio bíblico, as lágrimas escapavam de meu rosto como o último desespero de um homem apaixonado, lancei meu olhar de fúria ao rapaz que ainda se encontrava nu sobre o meu leito contaminado e xinguei, xinguei, xinguei repetidas vezes àqueles dois bandidos.
Segurei o gatilho, ainda tremia muito, mirei no belo crânio da jovem meretriz, veio em minhas tristes memórias toda uma vida malfadada presa a uma indústria medíocre e sem graça. Marisa (ou Camila, não sei mais sua verdadeira identidade) gritava compulsivamente pedindo perdão, que nunca mais faria aquilo, que me amava muito, que eu era o homem de sua vida... essas besteiras que a gente só diz quando é pressionado a dizer.
Friamente apontei minha arma em cada parte de seu corpo lascivo, lembrei de nossas sublimes noites pornográficas, olhei ao redor do quarto escuro, saboreei cada lembrança ardente de nosso recente passado, guardei em mim cada parte quente de sua figura feminina: suas nádegas, entranhas, seios, boca, nuca... TUDO (!), tudo descompassadamente volitava em minha alma. Mirei novamente meu trinta e oito em sua face pálida, segurei o gatilho copiosamente e vagarosamente, bem... bem lentamente... fui apertando... apertando... apertando... apertando o gatilho... e dancei um tango!!