O trânsito era lento na avenida e dava para
observar tranquilamente as gramas da ilha balançando. Dentro daquele homem existia
mais do que um homem voltando de mais uma entrevista de emprego, ele abrigava
centenas de ideias intrusas, amores forçados e nojos encubados.
Chegando em casa
notou que ninguém aguardava seu retorno, caiu em si. Sentiu-se um enorme
transtorno. A Paz para ele agora encontrava-se em lugares ou
em recantos só dela sabidos. Olhava para as ruas e as pessoas tinham fugido, e
fingiam que era apenas pressa. O intruso era ele, e não se mostrava intimidado
por atirar-se no desconhecido. Ele tentou ser desejável por um tempo, agora ele
quer apenas passar a vida antes que ela passe por ele como um carro de corridas
passando os outros para trás.
Decidido a fazer tudo diferente os sofrimentos
inerentes as mudanças começaram a surgir. Mudar é de certa forma anular algo
que existe em si. O intruso já não sentia falta da manhã nebulosa com cheiro de
pão fresco e café com adoçante. Agora ele sentia o leve peso do seu corpo
flutuar sobre a existência ( que segundo ele já não fazia sentido).
Acendeu um cigarro como se sua alma fosse sair pela boca. O que incomodou
bastante sua mulher
- Já vai começar com mais uma mania nojenta e insuportável Felipe?
Um vicio para a idiota da sua mulher sustentar, né?Joga fora esse cigarro e vá
lavar as mãos, as crianças estão chegando.
Como lhe era agoniante
aquela mulher lembrando que ele não tinha condições de sustentar um vicio. Que
ele não passava de um intruso naquela casa. Um broxa, um incompetente. Havia falhado
na missão de ser marido, e ao observar a mesa posta, os netos chegando, os
filhos com cara de empregados perante suas esposas, e as esposas com cara de
poucos amigos concluiu que a vida tranquila escondia tanta bagunça. A vida
familiar era como uma casa aparentemente arrumada, mas em uma casa sempre existe uma gaveta onde se
esconde as bagunças
- Vão se ferrar todos
vocês, vocês são monstros, e ao mesmo
tempo babacas. Isso aqui, essa família não passa de uma farsa. Eu vou embora!
E desse modo Felipe interrompeu o almoço de domingo, jogando talheres ao chão enquanto os filhos
tentavam segura-lo a força.
Sentiu uma pancada na
cabeça e acordou amarrado dentro de uma ambulância, queria muito perguntar para
onde ele estava sendo levado, mas a mordaça o impedia.
Um tipo de medo pairava
o olhar do enfermeiro que o acompanhava nessa bizarra procissão até o Centro
Espirita de Saúde Mental, onde ele passaria um longo mês por indicação de sua
esposa e filhos, que disseram aos especialistas que se tratava de ‘‘ mudança de
personalidade e agressividade’’