O COLETIVO ZINE É UMA AÇÃO CONJUNTA. A PROPOSTA É REUNIR DIVERSOS FANZINEIROS OU CRIADORES INDEPENDENTES E PRODUZIR UM TRABALHO COLETIVO. CADA PARTICIPANTE CONTRIBUI DA FORMA COMO PUDER, SEJA NA CRIAÇÃO, MONTAGEM, EDIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, DIVULGAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO. O IMPORTANTE É SOMAR ESFORÇOS. E ASSIM MULTIPLICAR A DIVULGAÇÃO DO TRABALHO DE CADA AUTOR E DIVIDIR O TRABALHO. SE DER CERTO,CONSEGUIREMOS CHEGAR A NOVOS LEITORES QUE JAMAIS CONHECERIAM NOSSO MATERIAL SE O PROMOVÊSSEMOS ISOLADAMENTE. E NA PIOR DAS HIPÓTESES, AO MENOS TEREMOS UMA DESCULPA PARA INSANAS FESTAS DE CONFRATERNIZAÇÃO E LANÇAMENTO DE ZINES. ENTÃO, MÃOS À OBRA. MISTURE-SE.

terça-feira, 21 de junho de 2022

Sem ponteiros

 Sem ponteiros


Por Fabio da Silva Barbosa



Um céu escuro

cinza e completamente sem luz

nesse frio insuportável

que congela nosso peito

e mata nossa alma

sufoca nosso grito 

e ninguém entende

algo de tudo que falamos

e ainda tentamos explicar

mas já não temos tempo a perder

com ouvidos surdos

ou mentes enlatadas

Tudo o que resta 

é o nada

sem cheiro, sem gosto e sem sentido

sem perspectivas e sem futuro

Nada mais faz sentido

E quando é que fez?

Os parasitas chegam pra sugar

o que ainda resta

e os carniceiros já aguardam os meus restos 

e nossa existência inexistente

não permite que esqueçamos

do vazio que nos preenche

Estamos tão áridos

que nosso solo já rachou

Nada mais nasce aqui

nessa terra devastada

E até os cegos podem ver

mas eles também duvidam

Afinal

acreditar

virou apenas mais uma forma de mentir

É apenas a lembrança

dessas plantas

que há muito

já morreram

e não adianta mais regar

e não adianta querer dançar

se as pernas já caíram

Como ovos podres

eles tentam

nos convencer

que só querem ajudar

mas a vida já passou

e a memória se esqueceu

o tempo se arrasta

e a hora nunca chega


quarta-feira, 15 de junho de 2022

vontade de cagar

 

vontade de cagar


por agner nyhyhwhw


é carnaval

tempo de festejar

e eu só sinto

vontade de cagar


festa na empresa

pra comemorar o lucro recorde

e eu só sinto

vontade de cagar


a imprensa chama pras eleições

é a festa da democracia

e eu só sinto

vontade de cagar


a pandemia acabou

tudo voltou ao normal

e eu só sinto

vontade de cagar


já é natal

é tempo de comprar e presentear

e eu só sinto

vontade de cagar


chego em casa

tem tv, internet e microondas

mas eu só sinto

vontade de cagar


segunda-feira, 7 de março de 2022

Incontido

 Incontido

Tua ausência é um ferir 

Os lábios que tentei pousar 

É uma imagem miragem 

Confunde meus sentidos 


Estive mesmo a pensar 

Como dói a dor t'áqui!

Num romance sem par 

Perder-me nesse desejar 


Nem mesmo ouvi dizer 

Tuas palavras não soam-me

Nessa distância certa


Tente ouvir meu sussurro

Nem é sonho nem nada 

Querer ainda é pouco! 

sábado, 20 de novembro de 2021

A presença do simbolismo ainda latente


O engodo

   Um homem teve o mesmo sonho três vezes seguido, um ciclo. Neste sonho via a si mesmo como uma criança como qualquer outra, brincando com objetos geométricos. Era sempre noite quando a criatura aparecia, dizendo coisas em uma linguagem hipnótica. Na primeira vez que sonhou, não sabia decifrar o significado de tais palavras, mas não tinha medo  mesmo sendo apenas uma criança encarou a criatura, enquanto o relógio badalava mais alguns segundos e o tempo escorria lento, sabia que estava num sonho e seu corpo real estava na cama.

    Apenas alguns segundos se passaram dentro do sonho e a criatura continuava proferindo seu mantra: “revelare / semita autem revelare / est mortis”. Mas as horas dentro de um sonho diferem das horas do mundo da realidade.

    Acordou e olhou o relógio, eram seis da manhã. Tenho que ir trabalhar. Enquanto se arrumava ficou pensando naquele sonho que tivera e no que possivelmente este sonho estava querendo lhe dizer, pois em toda sua vida até o presente momento, nunca tivera um sonho tão estranho e misterioso.

    O tempo passa e cumprida à rotina do dia a dia, mas uma vez o home adormece e sonha o mesmo sonho de antes. Ao acordar, são seis da manhã em ponto. “Estranho, o mesmo horário de ontem e o mesmo sonho” disse. Enquanto se arrumava ficou pensando novamente no que poderia significar aquela linguagem que a criatura proferia e que ele não conseguia identificar, mas nada do que pensou trouxe uma possível resposta. Tenho que ir trabalhar.  O dia transcorre normalmente e nada de anormal acontece. Apenas a mesma rotina.

    Mas uma vez o homem adormece e tem o mesmo sonho de dois dias atrás. Só que ao despertar o relógio marca meia noite dessa vez. Com o sonho ainda fresco na memoria e sentindo um calafrio repentino, corre direto para espelho pendurado em algum canto de seu quarto. Através do espelho vê sua cama e seu coração gela com o que é visto na cama.  Seu próprio corpo jazia ali imóvel. 

                                                                                                   (texto por David Beat 


 

domingo, 8 de agosto de 2021

Bater punheta na poeta do precipício - POESIA PODRE

 Por: Diego El Khouri


bater punheta na porta do precipício
chafurdar na lama, comer cocô e engolir vômito
cuspir em todas as leis, mesmo aquelas que eu criei
rasgar contratos, fazer gato na energia
ignorar estado, tv, igrejas, netflix
queimar racista dentro do culto ou da missa
não importa se é de noite ou de dia
se você vai gostar ou odiar
esquartejar a cara falsa e moralista
da sociedade cínica e vil

sísmico peido de coisa podre e doente...

arcabouço de experiências
vividas no inferno
letargia absoluta, alcoólica
(desconexo)
monóxido de carbono
cheiro de gasolina e batata frita
e essa vontade de cagar
na boca voluptuosa da moralidade.

* Poema retirado do livro Poesia Podre lançado pela Editora Merda na Mão.


Livro Impresso: Poesia Podre
Autores: Alexandre Chakal, Diego El Khouri e Fabio da Silva Barbosa
Gênero:  Poesia  
Formato: 14X21  | ANO: 2020 
Páginas:  50
Capa: cartão 300 c/ laminação brilho
Arte da capa: Guga Burkhardt
Miolo: offset fosco

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

CAVIDADE, livro de ALEXANDRE MENDES

 

CAVIDADE, livro de ALEXANDRE MENDES


Alexandre Mendes foi um dos primeiros apoiadores da ideia Coletivo Zine. Quando a ideia surgiu, de imediato animou a participar. Assim, esteve presente ativamente nas três edições impressas que foram lançadas, colaborando com textos, ilustrações, HQs, e ajudando na impressão e distribuição dos zines.

Infelizmente, esse grande artista e ser humano nos deixou em 2017. Como Alexandre já havia enviado material pra uma possível quarta edição, foi então lançada na época uma edição especial do Coletivo Zine, uma coletânea de suas participações. Foi feita também nesse blog uma devida homenagem.

E agora, a Editora Merda Na Mão, uma iniciativa de outros dois importantes participantes do Coletivo Zine, Diego El Khouri e Fabio da Silva Barbosa, lança o livro CAVIDADE, reunindo textos marcantes do Alexandre. Uma obra imperdível para os apreciadores de literatura underground autoral.

Mais informações sobre o livro e para contatar a Editora: https://editoramerdanamao.blogspot.com/2020/12/cavidade-obra-postuma-do-alexandre.html e editoramerdanamao@gmail.com .







quinta-feira, 3 de setembro de 2020

POR: EDU PLANCHÊZ MAÇÃ SILATTIAN

 e ele agarrou a linha e saiu arrastando

pelos continentes o gigante animal que flutuava,
se era uma aranha de gás.
respondo que sim porque sou um homem convicto,
um sem nome, um nômade dentro de uma caixa de vidro,
dentro de um reinado de luzes
contemplando os relógios estampados no veludo do boldo,
das folhas do boldo, das folhas dos tomateiros
crescidos a golfadas por dentro das friagens
o sonho do mar recreio dos bandeirantes
que fica a algumas esquinas daqui,
a algumas léguas do não fim das coisas
arte, peças das cavidades, das covas,
dos buracos, das linhas do caderno virtual
arte, que nos preserva desde muito antes,
eu camarada rupestre, rude,
antiquado para a maioria,
por ser o homem letra, o homem das letras,
dos sopro das letras, do jorro de letras
tal christina oiticica enterro pinturas na terra,
na neve, na natureza da neve,
no cal dos tremores dos bichos
e eu chamo em telepatia diego el khouri e joka faria
por nada além de palavras largadas
nas ruas que são ruas e que não são ruas.

domingo, 30 de agosto de 2020

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

POR: EDU PLANCHÊZ MAÇÃ SILATTIAN

 aqueles que ignoram a vigente pandemia

são suicidas passivos assassinos,
que perderam a capacidade da reflexão,
do ver e do compreender
a refinada percepção que nos abre os olhos,
os olhos da alma lógica aqui desse mundo mesmo
se a forma de se proteger e de proteger o outrem
é o distanciamento social e eu não tomo conhecimento
e continuo vivendo como se nada tivesse acontecendo,
estou fora do trilho, pois estou colocando a minha vida em risco
e a vida das outras pessoas também
buscando luminosidade para entender o porque
das pessoas dessa nação continuarem a apoiar
um chefe de estado genocida
que nada ou pouco faz para manter você e eu vivos
o maior de todos os tesouro é a vida,
cada vida perdida é uma vida perdida,
um amor a menos no mundo,
e perder vidas por omissão de um chefe de estado
que insiste em negar a tragédia
que é ter fora de controle de propósito,
por maldade, um vírus
que já dizimou apenas em nosso país
mais de cem mil pessoas,
é algo degradante

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Diagnóstico


Por wagner nyhyhwh:

Diários da pandemia:

Diagnóstico

-Fiz o teste rápido pro vírus. Sinalizou que meu corpo produziu anticorpos, ou seja, eu peguei o vírus em algum momento.
-Mas você teve algum sintoma?
-Não, não senti nada. Sabe o que isso significa?
-O que?
-Que eu sou atleta, mesmo sem fazer nenhum exercício físico.
-Pela lógica bozonariana, faz sentido.


quarta-feira, 17 de junho de 2020

terça-feira, 16 de junho de 2020

sexta-feira, 5 de junho de 2020

CUPINS DO TEMPO

Por: Diego El Khouri


o esfacelamento do dia
se esboroa no toque  sutil
de morte sentida

vermes suicidas
sombras noturnas
de peles esquálidas
carcomidas pelos cupins do tempo

quartos fechados
inundados pela quarentena
que esquartejam os passos

papéis  amassados
finos traços  de cigarros
ausentes de fumos
que elevam o orgasmo

sem marola,  sem voz
garganta seca
trêmulas mãos de vagabundo
no subsolo da casa

janelas fechadas
banheiros  imundos
de sêmen  e solidão

punheta elétrica
sois fúnebres, divinos
milicos assassinos
  — cabeça   que não  se move
ao perigo do tempo.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

OS CIDADÃOS DE BEM e o FIM DA QUARENTENA

Por: wagner nyhyhwh

DIÁRIO DA PANDEMIA:
CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS:

OS CIDADÃOS DE BEM
e o
FIM DA QUARENTENA





domingo, 31 de maio de 2020

POR: EDU PLANCHÊZ


a porra do corona vírus,

a porra da gripe espanhola

que não é espanhola,
a porra que esporra nos infelizes
para eles continuarem infelizes,
o maldito ódio de tudo que gera censura,
prisão, mentira, idiotas e canalhas

ah, muitas vezes sou idiota e canalha,
e ladrão também, e podre, e perfumado,
e jarro de flores carnívoras,

flores de carne,
árvores de folhas dentuças,
árvores cagadas pelo cu mesmo,
pela boca, pela boca do lobo,
pela boca da borboleta amarela e preta
que insiste em por seus ovos
nas folhas do meu pé de maracujá
para que cresçam lagartas famintas
devoradoras de pés de maracujás,
e hoje, eu vi ela,

a borboleta amarela e preta chegar
para despejar seus ovos futuras lagartas
na minha planta que não é minha,
eu gritei com a borboleta,
ela se foi, mas quando eu não estiver
por perto sem a ver,
certamente voltará para despejar

seus ovos famintos,
como a planta cresce

na janela do apartamento,
os pássaros que controlam as lagartas,
por me temer aqui não chegam,
eu continuarei com petelecos,
descartando as lagartas

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Cumprindo a meta do dia - Brazyu parte 1504


BRAZYU

O PAÍS DO PASSADO

A EPOPEIA DO RETROCESSO


Brazyu é uma saga de ficção passada no fictício Reino do Brazyu. Qualquer semelhança com lugares e pessoas reais é mera coincidência. 


Parte 1504:


O CIDADÃO DE BEM

em

CUMPRINDO A META DO DIA



A Grande Empresa privatizada demitiu metade dos funcionários. Gestão de Custos. E o maior custo obviamente era o de pessoal. Sem perspectivas, os demitidos decidiram acampar em protesto na frente da sede da Grande Empresa.

Enquanto isso, o Cidadão de Bem sai do seu moderníssimo apartamento de dezoito metros quadrados para bater o sagrado ponto no Escritório.

Ao sair do apartamento já encontra um pedinte sentado no corredor. Diz não ter mais dinheiro pro aluguel, nem pra comer, já recebeu notificação de despejo, não sabe o que fazer a não ser pedir ajuda pelo prédio. O Cidadão de Bem lamenta, mas não tem como ajudar. Chega até a fila pro elevador. Durante horário de pico difícil conseguir vaga no apertado elevador que atende 50 apartamentos por andar.

Ao finalmente sair do prédio, encontra o tradicional pedinte de estimação do condomínio. Este, o Cidadão de Bem já está acostumado a ignorar todos os dias.

Leva alguns minutos pra atravessar a rua, devido ao trânsito incessante de carros. Quando um deles para pro embarque de alguém, é sua oportunidade de finalmente atravessar correndo. Entra no estacionamento particular onde deixa o seu precioso carro todos os dias, já que o prédio em que mora não tem garagem.

O Cidadão de Bem mora a 10 minutos de caminhada da estação de metrô. O prédio do Escritório fica ao lado do metrô, a apenas 4 estações dali. Mesmo assim vai de carro pro Escritório todos os dias. E sempre reclama que a gasolina está muito cara. Metade do salário mensal vai pra prestação do carro e eventuais manutenções. Mas não abre mão do carro. Afinal, o Cidadão de Bem é brazylero. E como todo brazylero, adora carro.

O Cidadão de Bem passa pela sede da Grande Empresa e vê as dezenas de pessoas acampadas, todas aquelas tendas e faixas e cartazes de protesto. Revolta-se com aquela poluição visual, não se aguenta, abaixa o vidro do seu carro do ano, prejudicando o conforto do ar condicionado e grita furioso: Vai trabalhar, bando de vagabundo!

Logo mais, trânsito completamente parado. Cidadão de Bem fica revoltado, não pode chegar atrasado ao Escritório. Mas trânsito continua imóvel. Cidadão de Bem não sabe por que o trânsito permanece totalmente parado, mas buzina sem parar.

Enquanto isso, o Novo Dytador passeava no seu Helicóptero-Caveirão quando recebe uma chamada de uatzap de um assessor:

-Milorde, um ônibus foi sequestrado na via expressa. Foi interceptado pela patrulha.

-Estou vendo daqui. O trânsito está todo parado.

-Os agentes tiveram que fechar uma pista.

-Isso é inaceitável. Tem que resolver logo.

-Os negociadores estão tentando contato com o sequestrador.

-Negociador é o caralho. Cadê o sniper?

-Está se posicionando…

-Ordena a ele pra atirar logo.

-Mas ele ainda não…

-Mas o que, porra? É pra atirar logo e abater os vagabundos! Tem que liberar o trânsito pro cidadão de bem poder ir trabalhar!

-Sim, milorde.

Assim foi feito. O ônibus foi metralhado e os sequestradores mortos, assim como alguns passageiros. O Novo Dytador considerou inevitável a morte de alguns passageiros: Não dá pra fazer omelete sem quebrar uns ovos. Já a morte dos sequestradores foi suicídio, conforme a nova legislação que aprovamos recentemente. Suicídio por policial.

Depois de horas, o Cidadão de Bem finalmente consegue chegar ao seu importante trabalho. Ao adentrar no Escritório, percebe a maioria dos colegas cochichando.

-Que foi?

-Você não viu no grupo?

-Não, não vi.

-Vê aí o grupo.

Cidadão de Bem busca desesperado o celular, pra ver ansioso o grupo no zap Colegas do Escritório. Ao desbloquear o celular: "Você poderá acessar logo após a publicidade". 5 minutos de comercial. Puta merda. Vai morrer de ansiedade. Deixa celular de lado e vai tomar uma água. Pega o aparelho de volta e a publicidade estava pausada em 4min57s. Ao olhar ela continua: 4min56s, 4min55s. Tinha esquecido dessa nova tecnologia leitora de retina dos aparelhos. O leitor de retina detecta se a pessoa está ou não olhando pra propaganda. Se não estiver, automaticamente pausa. Se quiser usar o celular, obrigatório olhar pra publicidade por todo o tempo. 4min50. 4min49. Puta merda. Melhor tomar o comprimido pra tranquilizar.

Então seu Chefe aparece e o chama. Diz que o Gerente Executivo quer falar com eles. O Cidadão de Bem sente certa euforia. Nunca participou de nenhuma reunião com o Gerente Executivo. O mês estava indo bem. Semana passada recebeu o feedback da avaliação de desempenho referente ao último ano e ficou empolgado pela ótima nota que recebeu. Fruto de seu trabalho duro. E agora uma reunião com o Gerente Executivo. Quem sabe seria designado para algum trabalho importante? Mais: quem sabe estaria sendo sondado para algum cargo gerencial? Sabe que seu dia vai chegar, seus professores na faculdade de administração sempre afirmaram categoricamente que quem se esforça é recompensado, cedo ou tarde.

Entra na opulenta sala, com patrióticos móveis de madeira de pau-brasil, cadeiras massageadoras forradas com couro de elefante encerado e tapetes de pele de panda importados. Um garçom traz água, suco, café, bolo e salgadinhos e deixa numa cômoda ao lado da grande mesa do Gerente Executivo. No outro lado da sala uma grande estante percorre toda a parede, mas nem um livro sequer repousa sobre ela. Apenas fotos dos eventos corporativos que o Gerente Executivo participou, troféus e medalhas de executivo destaque, diplomas de cursos como "Cortando Custos e Gerando Valor para os Acionistas" e "Liderando pessoas para a Vitória", e brindes e recordações das muitas viagens realizadas.

O Chefe do Cidadão de Bem cumprimenta o Gerente Executivo como se fossem amigos de infância, melhor amigo da vida. Gerente Executivo conta uma piada de trabalho e gargalha com o Chefe. Cidadão de Bem não entendeu absolutamente nada da piada, mas sorri também pra parecer simpático.

Então o Gerente Executivo cumprimenta amistoso o Cidadão de Bem e começa a discursar sobre os novos tempos que a Empresa está passando. A crise não está fácil, todos precisam se doar e se esforçar para atingir os objetivos corporativos, pois se a Empresa não conseguir resultados, muita gente pode ser prejudicada, muita gente pode perder o emprego, e blá, e blé, e blí, e bló, o discurso continua nessa toada por uma eternidade, o Cidadão de Bem se esforça bravamente para não cochilar na frente dele, meneando a cabeça para confirmar que está entendendo e soltando um aham de vez em quando.

Até que sua atenção é despertada quando o Gerente Executivo comenta sobre metas e avaliação de desempenho. "Vi que você superou, e muito, as metas do último período de avaliação. Sua nota foi 130%". O Cidadão de Bem abre um discreto e orgulhoso sorriso. "Espera mesmo que eu acredite nisso? 130% da meta estipulada? É óbvio que essa meta foi fácil demais!" O sorriso murcha. "Mas o seu caso não foi o único. A nota média da nossa Gerência Executiva foi 108. Ou seja, em média, as pessoas atingiram 108% das suas metas. Tenho estatísticas que provam que não é normal um desempenho médio tão alto. Estas notas terão que ser revistas, pois não é essa a lógica de mercado. Nos nossos concorrentes não existem avaliações de desempenho tão generosas. É um claro sinal de que nós temos que aprender a criar metas. As metas precisam ser desafiadoras. Isso vai ter que mudar."

Hesitante, o Cidadão de Bem olha pro seu Chefe, que permanece impassível. Pensa em retrucar, afinal fez um excelente trabalho na sua visão, realmente superou sua meta, a nota foi justa. Abriu mão de muita coisa para se dedicar ao trabalho, faltou a compromissos, abandonou a caminhada diária, quase não fez sexo com a esposa, quase não deu atenção aos filhos, vendeu as férias. Contudo, está diante do Gerente Executivo, chefe do seu Chefe. Não se atreve a rebater. O seu Chefe deveria dizer algo, mas se ele está aceitando, então o que pode fazer senão aceitar também? "O RH já está trabalhando em uma nova metodologia de desenvolvimento de metas e desempenho individual e logo passaremos mais informações."

O Gerente Executivo então encerra e diz que o Cidadão de Bem está dispensado, foi um prazer conhecê-lo e pode se retirar, ele e o Chefe do Cidadão de Bem tem outra reunião agora.

Cidadão de Bem sai da adornada sala e para no corredor. Apesar da porta fechada, volta a ouvir gargalhadas do seu Chefe e do Gerente Executivo. Por um momento, não sabe bem pra onde ir, o que fazer agora. Mas foi só por um momento. Tem que retornar pro seu lugar e sua importante rotina.